Por
Antonio José Romera Valverde
Professor do Departamento de Filosofia da PUC-SP e do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da EAESP-FGV.
valverde@pucsp.brEm 2008, o Curso de Filosofia da PUC-SP completou 100 anos de existência. A celebração ocorreu durante a primeira semana do mês de maio de 2009. Em cerimônia oficial realizou-se a abertura do evento, com a presença das autoridades da Universidade, seguida de conferências, cujas temáticas incluíram os temas memória, cultura, arte e ensino de Filosofia.
Fundado entre os dias 13 de junho e 22 de julho de 1908, como resultado do esforço conjunto da Arquidiocese de São Paulo e do Mosteiro de São Bento, nas figuras do Arcebispo Metropolitano, D. Duarte Leopoldo e Silva, e do Abade D. Miguel Kruse, a "sessão de abertura" oficial do curso ocorreu no dia 15 de julho e aula inaugural, a 22 de julho de 1908. Marco qualificado dos estudos e das pesquisas em Filosofia no Brasil, ao constituir-se como o primeiro curso regular de Filosofia no país, após ondas sucessivas de tentativas de sistematização. Tempos depois, o conjunto dos primeiros professores do curso identificava-se com nome de "Missão Belga", pois vieram da Universidade Católica de Louvain.
Se a criação de um curso regular de tal envergadura era inédita, porém o ensino de Filosofia no Brasil acontecia desde a chegada dos jesuítas, em 1549, para educação e catequese, sob as orientações pedagógicas da Ratio Studiorum. Após a expulsão dos jesuítas, ao tempo do iluminista Marquês de Pombal, o ensino filosófico esteve embalado pela vaga romântica - na literatura, sob a necessidade de fundar a brasilidade e a inventar a alma brasileira.
Na sequência, o ensino de Filosofia incorporou a novidade do ecletismo espiritualista de Victor Cousin, que teve em Frei Francisco Montalverne a expressão mais alta de assimilação, e também parte do idealismo alemão, identificável, sobremaneira, pelos apontamentos sobre a filosofia de Kant, operados pelo Pe. Antonio Feijó. Posteriormente, ocorreu a entrada em cena do positivismo de Comte, de fácil assimilação e inspirador ideológico da nascente República brasileira, sem esquecer a Escola do Recife, de Tobias Barreto e Sílvio Romero, que produziram uma revista de Filosofia em alemão.
Também as faculdades de Direito criadas em 1827, em São Paulo e no Recife, receberam um ensino de Filosofia de segunda linha. É o caso dos cursos preparatórios às faculdades de Direito a ensinarem a filosofia panenteísta de Krause, um filósofo intermediário entre Kant e Hegel, porém com larga entrada no pensamento espanhol a meados do século XIX, e, por extensão, nas antigas colônias espanholas. Contudo, a filosofia de Krause tornou-se doutrina, - krausismo -, em Espanha, e forneceu seiva nova para o processo de secularização, de par com o interesse pelos ideais republicanos e para o universo do Direito.
Em verdade, com a entrada assistemática nos domínios da Filosofia pelos séculos anteriores, não se estudou Filosofia com rigor, método e acuidade, como o operado na Europa desde o século XII, nem se analisava os textos originais de Filosofia. Prof. Cruz Costa nomeia aqueles estudiosos da área de "filosofantes" e sua produção de "fumaças filosóficas", sob um cenário pouco promissor. Porém, para sanar tais dificuldades é que o curso centenário, a Faculdade de Filosofia São Bento, foi criado. O que se deu ao caso com a chegada da Missão Belga, composta de professores com formação votada ao neotomismo. Durante estes cem anos de existência, houve o interregno de alguns anos, devido à Primeira Guerra Mundial, entre 1917 e 1922, pois alguns professores retornam para combater.
Vinte e cinco anos após o surgimento do curso de Filosofia do São Bento, foi fundado o curso de Filosofia da Faculdade "Sedes Sapientiae" pela Ordem das Cônegas de Santo Agostinho, o primeiro curso de Filosofia reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro, a 15 de março de 1933.
Em 1946, é fundada a Universidade Católica de São Paulo, elevada a condição de Pontifícia, em 1947, resultado da incorporação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento e da Faculdade Paulista de Direito, e mais quatro faculdades agregadas: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Sedes Sapientiae", a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Campinas, a Faculdade de Ciências Econômicas de Campinas e a Faculdade de Engenharia Industrial.
Em 1970, com a implantação da Reforma Universitária, sob exigência de lei federal, a PUC-SP fundiu definitivamente os cursos de Letras e de Filosofia, do São Bento e do "Sedes Sapientia", surgindo desta fusão a atual Faculdade Comunicação e Filosofia, em que o curso de Filosofia encontra-se desde então.
A partir da década de 70, o curso de Filosofia da PUC-SP abriu-se para o estudo da Filosofia para além do neotomismo. Consolidou-se em várias as áreas do estudo e da pesquisa atinentes à Filosofia. Em 1979 criou e consolidou o mestrado em Filosofia e, em 2001, o doutorado, e tem mantido três linhas de pesquisa: História da Filosofia, Filosofia das Ciências Humanas e Lógica e Teoria do Conhecimento. Ao menos duas teses doutorais, produzidas por orientandos do Programa de Estudos Pós Graduados em Filosofia da PUC-SP, merecem destaque, pelo ineditismo da pesquisa de autores nunca antes estudados no Brasil, em tal nível: Giambattista Vico e Guy Debord.
Atualmente os professores do curso de Filosofia da PUC-SP editam três revistas: Hypnos, votada aos estudos de Filosofia Antiga, Cognitio, ao pragmatismo e Aurora, editada conjuntamente com a PUCPR, dedicada à Filosofia Contemporânea. Todas reconhecidas, academicamente, pelo mérito de suas publicações.
Como a perplexidade frente ao espetáculo do mundo não é dado a todos os homens, mesmo que todos possam desenvolvê-la, espera-se que os estudantes de Filosofia estejam a demover aos poucos a fina percepção de Sérgio Buarque de Hollanda, ao tratar de um aspecto do homem brasileiro, o de "que somos um povo pouco especulativo." (Raízes do Brasil. Cia. das Letras, 2006, p. 202)
Vida longa ao Curso de Filosofia da PUC-SP!