Globalização, eis a ordem do dia. Palavra que se torna lema, expressão mágica que, quanto mais se tenta explicar, mais opaca permanece. Inspirado em Zigmunt Bauman, a análise acentua diferenças quanto à sensação de mobilidade.
O desenvolvimento produtivo provocou independência em relação ao espaço, deslocando centros de decisões para longe das localidades, fazendo com que as companhias, as empresas e a própria produção passassem a pertencer aos investidores e não mais às pessoas diretamente relacionadas, bem como à localidade onde se sediavam. O poder das decisões flutua livremente sem restrições, sem amarras administrativas ou tributárias. Há uma superliquidez que fluidifica operações, permitindo ao capital se mudar sem maiores compromissos. As distâncias já não importam, as fronteiras geográficas são quase insustentáveis, “longe” já não é mais um dado objetivo, impessoal, físico. A mobilidade daí decorrente desencadeou um solapamento das totalidades sociais e culturais, representada pela fórmula de Tönies de que a modernidade significa a passagem da comunidade (Gemeinschaft) para a da sociedade (Gesenschaft).
O principal fator técnico da mobilidade foi o transporte da informação, muito mais veloz e de baixos custos, contribuindo vigorosamente para a quebra da noção espaço/tempo e permitindo uma polarização diferenciada da anterior entre “ricos e pobres” ou “capitalistas e trabalhadores”. A atual polarização pode ser descrita como o confronto entre “globais” e “locais”. Os primeiros não têm distâncias, atuam num tempo diferenciado quase imediato, enquanto os últimos estão irremediavelmente presos ao lugar onde seus pés se firmam. O conflito se descreve pelo isolamento dos primeiros em suas casas, locais de trabalho, veículos, permitindo sensação de liberdade experienciada de outra forma, num outro modelo. São “livres” daqueles que estão “presos” e não há espaço melhor para isto do que o ciberespaço. O território urbano é mero local de sobrevivência, o verdadeiro local de vivência é o virtual, desde que se possa pagar por ele. Não havendo mais local para trocas, para diálogo, perde-se toda visão comunitária e o âmbito do normal transmuda-se do discurso cotidiano para o discurso do isolamento. Normas são dadas de cima e não mais nascem do seio social, dos “costumes” locais. O “ethos” deixa de ser fruto da tradição, pois agora pertence a regiões elevadas, distantes, jamais questionadas. Os padrões de comportamento, as normas não sintetizam mais o anseio da nação, porém são concebidos em esferas desligadas da vida local e que no máximo podem redundar em mais sofrimento do que alegria para aqueles a que se destinam.
O Estado moderno é fruto da necessidade da unificação de medida objetiva do espaço, para que se pudesse estabelecer o que está “dentro e fora”, “perto e longe”. Com isto, foram substituídas todas as práticas comunitárias por práticas administrativas ou institucionalizadas como único ponto universal de divisões do espaço. A noção de soberania nasceu assim da objetivação do espaço e de sua subordinação a um mapa que permitisse controle.
O mapeamento possibilitava fiscalização do espaço do mesmo modo que o Panóptico de Foucault, no qual aqueles que são colocados dentro sentem-se vulneráveis à visibilidade dos que estão fora. Porém, a pós-modernidade esgarça a noção de soberania, pois permite outro mecanismo de controle: o Sinóptico, no qual muitos vigiam poucos como ocorre nos meios de comunicação de massa. Enquanto o Panóptico força as pessoas a ficarem numa posição a serem vigiadas, o Sinóptico seduz as pessoas à vigilância, mas uma vigilância controlada, jamais universal. “Globais” são aqueles que podem ser observados como, por exemplo, as celebridades; e o são pelos “locais”. No Panóptico havia a necessidade de inserir os vigiados no espaço de observação, no Sinóptico, os vigilantes querem ser inseridos no espaço de observação, mas ficam restritos ao seu respectivo espaço, de onde podem, conforme seu poder de consumo, alcançar maior ou menor posição de vigilância.
Se a velocidade da informação alcança valores vertiginosos, se o espaço é esquecido, se o Estado perde a soberania, se todos se tornam vigilantes, quem afinal está no controle?
Ao que parece, ninguém agora está no controle, pois talvez nem se saiba mais o que é estar no controle. Não há mais nenhuma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade, embora ecoem alguns gritos renitentes. Não há sequer uma questão única que possa captar e teleguiar a totalidade dos assuntos mundiais e impor a concordância global.
Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada no conceito de globalização. O significado mais profundo de globalização é transmitido pelo caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; não há centro, não há painel de controle, não há gabinete administrativo, não há sequer um tema para dirigir o discurso moderno. Tudo que é sólido não mais se desmancha, torna-se fluído.
O desenvolvimento produtivo provocou independência em relação ao espaço, deslocando centros de decisões para longe das localidades, fazendo com que as companhias, as empresas e a própria produção passassem a pertencer aos investidores e não mais às pessoas diretamente relacionadas, bem como à localidade onde se sediavam. O poder das decisões flutua livremente sem restrições, sem amarras administrativas ou tributárias. Há uma superliquidez que fluidifica operações, permitindo ao capital se mudar sem maiores compromissos. As distâncias já não importam, as fronteiras geográficas são quase insustentáveis, “longe” já não é mais um dado objetivo, impessoal, físico. A mobilidade daí decorrente desencadeou um solapamento das totalidades sociais e culturais, representada pela fórmula de Tönies de que a modernidade significa a passagem da comunidade (Gemeinschaft) para a da sociedade (Gesenschaft).
O principal fator técnico da mobilidade foi o transporte da informação, muito mais veloz e de baixos custos, contribuindo vigorosamente para a quebra da noção espaço/tempo e permitindo uma polarização diferenciada da anterior entre “ricos e pobres” ou “capitalistas e trabalhadores”. A atual polarização pode ser descrita como o confronto entre “globais” e “locais”. Os primeiros não têm distâncias, atuam num tempo diferenciado quase imediato, enquanto os últimos estão irremediavelmente presos ao lugar onde seus pés se firmam. O conflito se descreve pelo isolamento dos primeiros em suas casas, locais de trabalho, veículos, permitindo sensação de liberdade experienciada de outra forma, num outro modelo. São “livres” daqueles que estão “presos” e não há espaço melhor para isto do que o ciberespaço. O território urbano é mero local de sobrevivência, o verdadeiro local de vivência é o virtual, desde que se possa pagar por ele. Não havendo mais local para trocas, para diálogo, perde-se toda visão comunitária e o âmbito do normal transmuda-se do discurso cotidiano para o discurso do isolamento. Normas são dadas de cima e não mais nascem do seio social, dos “costumes” locais. O “ethos” deixa de ser fruto da tradição, pois agora pertence a regiões elevadas, distantes, jamais questionadas. Os padrões de comportamento, as normas não sintetizam mais o anseio da nação, porém são concebidos em esferas desligadas da vida local e que no máximo podem redundar em mais sofrimento do que alegria para aqueles a que se destinam.
O Estado moderno é fruto da necessidade da unificação de medida objetiva do espaço, para que se pudesse estabelecer o que está “dentro e fora”, “perto e longe”. Com isto, foram substituídas todas as práticas comunitárias por práticas administrativas ou institucionalizadas como único ponto universal de divisões do espaço. A noção de soberania nasceu assim da objetivação do espaço e de sua subordinação a um mapa que permitisse controle.
O mapeamento possibilitava fiscalização do espaço do mesmo modo que o Panóptico de Foucault, no qual aqueles que são colocados dentro sentem-se vulneráveis à visibilidade dos que estão fora. Porém, a pós-modernidade esgarça a noção de soberania, pois permite outro mecanismo de controle: o Sinóptico, no qual muitos vigiam poucos como ocorre nos meios de comunicação de massa. Enquanto o Panóptico força as pessoas a ficarem numa posição a serem vigiadas, o Sinóptico seduz as pessoas à vigilância, mas uma vigilância controlada, jamais universal. “Globais” são aqueles que podem ser observados como, por exemplo, as celebridades; e o são pelos “locais”. No Panóptico havia a necessidade de inserir os vigiados no espaço de observação, no Sinóptico, os vigilantes querem ser inseridos no espaço de observação, mas ficam restritos ao seu respectivo espaço, de onde podem, conforme seu poder de consumo, alcançar maior ou menor posição de vigilância.
Se a velocidade da informação alcança valores vertiginosos, se o espaço é esquecido, se o Estado perde a soberania, se todos se tornam vigilantes, quem afinal está no controle?
Ao que parece, ninguém agora está no controle, pois talvez nem se saiba mais o que é estar no controle. Não há mais nenhuma localidade com arrogância bastante para falar em nome da humanidade, embora ecoem alguns gritos renitentes. Não há sequer uma questão única que possa captar e teleguiar a totalidade dos assuntos mundiais e impor a concordância global.
Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada no conceito de globalização. O significado mais profundo de globalização é transmitido pelo caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; não há centro, não há painel de controle, não há gabinete administrativo, não há sequer um tema para dirigir o discurso moderno. Tudo que é sólido não mais se desmancha, torna-se fluído.