Tornou-se recorrente a afirmativa de que o direito passa por uma crise, gerada por fatores diversos, que reflete diretamente no resultado da atividade judiciária. Se verificarmos com cuidado, ao abrirmos os jornais, defrontamo-nos com decisões judiciais que às vezes atentam até mesmo contra o bom senso mais singelo.
Por Dentro da Lei
30 de maio de 2008
27 de maio de 2008
Subjetividade e intersubjetividade: distinções e implicações hermenêuticas
Não pretendo abordar as novas reviravoltas do caso Isabella nesta semana, por isto, aproveito para responder neste espaço a uma dúvida de alguns colegas sobre a distinção entre abordagens filosóficas que consideram a subjetividade e a intersubjetividade, da qual decorrem implicações hermenêuticas importantes.
A idéia de subjetividade nasce de perspectiva advinda da modernidade filosófica, de linha iluminista de origem cartesiana. Estabelece relação “sujeito/objeto” na qual o conhecimento é dado pela idéia num movimento interno da razão, da mente ou da consciência e a linguagem é um instrumento, um meio também dado de expressar a idéia, a qual funciona como essência de tudo.
Busca uma verdade objetiva ou absoluta (conhecimento puro), a qual sempre existe, bastando encontrar sua essência ou substância essencial, por um critério racional específico. Cada pensador desta perspectiva possui o seu modo particular de estabelecer a objetividade, por meio de método próprio. Em comum, não aceitam as “impurezas” qualquer que seja a denominação tal como ideologia, pré-compreensão, pré-juízos, horizontes, cosmovisão, rede de linguagem, comunicação intersubjetiva, relações culturais.
A razão é instrumento de separação e medida de ordem lógica, trabalhando com comparações por sobreposição. A justificação racional da verdade é fornecida pela razão do sujeito que alcança a idéia da essência dentro de sua mente e a partir daquela faz associações, agregando conhecimentos. A realidade é um objeto do mundo que já existe independentemente do sujeito e este precisa observá-la para dela retirar a essência, configurando a experiência vivida como um experimento concreto (experimentos físicos) ou abstrato (experimentos de sensações ou sensibilidade). O experimento precisa de condições ideais puras para ser repetido e a conclusão racional ser sempre a mesma.
Acaba no campo das ciências sociais ou humanas por usar retórica silogística e cria categorias de idéias resultados de experimentos que são apropriadas pelo agente conhecedor, fazendo dele uma autoridade sobre aquele tema, permitindo, pois, principalmente a transmissão do conhecimento por via do argumento de autoridade, de cunho dogmático. No campo específico da hermenêutica, busca uma essência também quanto ao significado da palavra ou do discurso, necessitando de método instrumental analítico-retórico.
Já pela perspectiva da intersubjetividade, o conhecimento depende de outras pessoas e a idéia não é dada pela mente, mas pelo uso da palavra numa determinada comunidade, em práticas coletivas. Aceita, por isto, as “impurezas” e trabalha com elas, considerando o conhecimento não como um dado da idéia, mas como fruto da relação interpessoal ou intersubjetiva, a qual, por sua vez, é produto da linguagem, vista não como instrumento, porém como uma prática lingüística de uso comum. A verdade nunca é subjetiva, pois não se forma nenhuma essência e não se considera o agente conhecedor como sujeito (sub jectum = o que jaz dentro) cuja mente filtra essências, mas como um ser vivente ou existente na linguagem, que só existe na ação praticada em comunidade.
Em virtude de considerar a vivência, o objeto do conhecimento é sempre aquilo que aparece (fenômeno), porém sem necessidade de ser internalizado na mente, logo, a experiência é sempre uma vivência retirada ou recolhida da comunidade à qual pertence o agente conhecedor. A verdade é sempre relativa, mas o critério de verdade não é o agente ou sua mente e sim a convicção de verdade recolhida pelo agente dentro da comunidade.
A justificação da verdade depende das práticas sociais comuns e é sempre fornecida concretamente por modelos situacionais ou por situações, variando o critério da simples existência até a mais ampla comunicação. A situação funciona como modelo para uma analogia de ponderação (recolhimento e sopeso) e não como moldura. A razão não é instrumento de medida, mas de recolhimento, de colheita do significado do discurso num primeiro momento e de sopeso, ponderação de encontro do sentido diante da prática comum, num segundo momento.
O horizonte ou a atmosfera em que está inserido o agente é considerado em sua ideologia, crenças, conceitos, pré-conceitos e cosmovisão, que auxiliam no balanceamento do sentido, não precisando ser afastados. O significado do discurso coletivo já não tem uma essência, mas apenas sentido, por isto a atividade do agente conhecedor não é analítica, mas hermenêutica em si mesmo, dependendo ou do discurso pragmático ou da compreensão da atmosfera lingüística vivenciada. Seu instrumental é a analogia por ponderação do discurso, funcionando a dogmática apenas como elemento de partida, permitindo o constante questionamento do discurso e buscando sempre uma finalidade social-comunitária dentro da mesma comunidade. Não há retórica argumentativa, mas uma sintaxe argumentativa no sentido de estruturar e organizar hermenêutica ou pragmaticamente a polifonia do discurso. Há uma análise “poiética” (criativa) do discurso a permitir ou a hermenêutica ou a pragmática lingüística.
A idéia de subjetividade nasce de perspectiva advinda da modernidade filosófica, de linha iluminista de origem cartesiana. Estabelece relação “sujeito/objeto” na qual o conhecimento é dado pela idéia num movimento interno da razão, da mente ou da consciência e a linguagem é um instrumento, um meio também dado de expressar a idéia, a qual funciona como essência de tudo.
Busca uma verdade objetiva ou absoluta (conhecimento puro), a qual sempre existe, bastando encontrar sua essência ou substância essencial, por um critério racional específico. Cada pensador desta perspectiva possui o seu modo particular de estabelecer a objetividade, por meio de método próprio. Em comum, não aceitam as “impurezas” qualquer que seja a denominação tal como ideologia, pré-compreensão, pré-juízos, horizontes, cosmovisão, rede de linguagem, comunicação intersubjetiva, relações culturais.
A razão é instrumento de separação e medida de ordem lógica, trabalhando com comparações por sobreposição. A justificação racional da verdade é fornecida pela razão do sujeito que alcança a idéia da essência dentro de sua mente e a partir daquela faz associações, agregando conhecimentos. A realidade é um objeto do mundo que já existe independentemente do sujeito e este precisa observá-la para dela retirar a essência, configurando a experiência vivida como um experimento concreto (experimentos físicos) ou abstrato (experimentos de sensações ou sensibilidade). O experimento precisa de condições ideais puras para ser repetido e a conclusão racional ser sempre a mesma.
Acaba no campo das ciências sociais ou humanas por usar retórica silogística e cria categorias de idéias resultados de experimentos que são apropriadas pelo agente conhecedor, fazendo dele uma autoridade sobre aquele tema, permitindo, pois, principalmente a transmissão do conhecimento por via do argumento de autoridade, de cunho dogmático. No campo específico da hermenêutica, busca uma essência também quanto ao significado da palavra ou do discurso, necessitando de método instrumental analítico-retórico.
Já pela perspectiva da intersubjetividade, o conhecimento depende de outras pessoas e a idéia não é dada pela mente, mas pelo uso da palavra numa determinada comunidade, em práticas coletivas. Aceita, por isto, as “impurezas” e trabalha com elas, considerando o conhecimento não como um dado da idéia, mas como fruto da relação interpessoal ou intersubjetiva, a qual, por sua vez, é produto da linguagem, vista não como instrumento, porém como uma prática lingüística de uso comum. A verdade nunca é subjetiva, pois não se forma nenhuma essência e não se considera o agente conhecedor como sujeito (sub jectum = o que jaz dentro) cuja mente filtra essências, mas como um ser vivente ou existente na linguagem, que só existe na ação praticada em comunidade.
Em virtude de considerar a vivência, o objeto do conhecimento é sempre aquilo que aparece (fenômeno), porém sem necessidade de ser internalizado na mente, logo, a experiência é sempre uma vivência retirada ou recolhida da comunidade à qual pertence o agente conhecedor. A verdade é sempre relativa, mas o critério de verdade não é o agente ou sua mente e sim a convicção de verdade recolhida pelo agente dentro da comunidade.
A justificação da verdade depende das práticas sociais comuns e é sempre fornecida concretamente por modelos situacionais ou por situações, variando o critério da simples existência até a mais ampla comunicação. A situação funciona como modelo para uma analogia de ponderação (recolhimento e sopeso) e não como moldura. A razão não é instrumento de medida, mas de recolhimento, de colheita do significado do discurso num primeiro momento e de sopeso, ponderação de encontro do sentido diante da prática comum, num segundo momento.
O horizonte ou a atmosfera em que está inserido o agente é considerado em sua ideologia, crenças, conceitos, pré-conceitos e cosmovisão, que auxiliam no balanceamento do sentido, não precisando ser afastados. O significado do discurso coletivo já não tem uma essência, mas apenas sentido, por isto a atividade do agente conhecedor não é analítica, mas hermenêutica em si mesmo, dependendo ou do discurso pragmático ou da compreensão da atmosfera lingüística vivenciada. Seu instrumental é a analogia por ponderação do discurso, funcionando a dogmática apenas como elemento de partida, permitindo o constante questionamento do discurso e buscando sempre uma finalidade social-comunitária dentro da mesma comunidade. Não há retórica argumentativa, mas uma sintaxe argumentativa no sentido de estruturar e organizar hermenêutica ou pragmaticamente a polifonia do discurso. Há uma análise “poiética” (criativa) do discurso a permitir ou a hermenêutica ou a pragmática lingüística.
19 de maio de 2008
Sobre Alexandres, Anas Carolinas e Isabellas
Meu primeiro impulso como tema de retorno a este espaço foi escrever sobre o chamado Caso Isabella, o qual ainda movimenta a opinião pública produzindo sensível comoção na sociedade e que se encontra no limiar de seu desenvolvimento.
Há muito que se falar sobre ele, pois em virtude de buscar sua elucidação, a polícia civil apresentou um modo de trabalho conjugado com a polícia técnica que jamais havia acontecido no Brasil. Novas tecnologias de criminalística foram testadas e experimentadas; um procedimento mais arrojado, mais dinâmico, mais vigoroso foi utilizado, revolvendo-se técnicas operacionais de investigação já até esquecidas e adaptando-se outras recém-nascidas nos departamentos policiais do mundo dito desenvolvido. Dispositivos eletrônicos ultra modernos, reagentes químicos atualíssimos, exames laboratoriais minuciosos, tudo enfim foi empregado no trabalho de investigação criminal com o fim de se descobrir os hediondos criminosos que haviam assassinado uma menininha de cinco anos.
Tudo às vistas das máquinas fotográficas e câmeras de televisão, num modelo de divulgação que atingiu repercussão nacional e até mesmo internacional. A população foi e ainda está sendo alcançada pelos efeitos midiáticos do caso: “a polícia descobriu os criminosos, o pai e a madrasta”; “o promotor denunciou o casal e requereu sua prisão preventiva”; “os presos não aceitam dividir suas celas com tais execráveis bandidos”; são estas as frases que se ouve ao caminhar nas ruas, ao se pegar um táxi, ao se deslocar em locais públicos.
Institutos jurídicos penais foram trazidos à tona a fim de serem trabalhados e esmiuçados. Prisão temporária, inquérito, conveniência da investigação policial, relatório do delegado, denúncia, prisão preventiva, garantia da ordem pública são expressões que tomaram conta do discurso dos cidadãos nesses últimos dias. Definições, conceitos, opiniões, exposições e teses foram apresentadas e divulgadas. O processo penal brasileiro foi quase totalmente analisado. A figura do promotor foi destacada, a dos advogados de defesa, execrada. A prisão dos acusados trouxe o conforto inicial ao clamor do povo, respondendo à comoção de todos e restituindo a credibilidade à Justiça.
Com efeito, foi a clausura dos acusados que trouxe a catarse libertadora do anseio popular. A polícia descobriu por meio de provas os assassinos, o promotor manifestou seu parecer e o juiz determinou a prisão. O ciclo judicial para a opinião pública se completou. A Justiça foi restabelecida no país, um país de impunidade, um verdadeiro “paraíso penal”. Que não se permita aos astuciosos advogados com seus ardilosos recursos recuperar a liberdade dos acusados.
Pensei em escrever sobre tudo isto ou sobre um tema recortado do assunto. Desisti, porém, ao olhar ao redor e vislumbrar o rosto de outras crianças, cuja visão me trouxe à memória que, mesmo tendo legítimas preocupações, ainda não conseguimos um recurso adequado, independentemente da classe social a que pertençam, para permitir-lhes obter, ganhar ou adquirir um meio de vida melhor, mais harmonioso, mais construtivo e que as possibilitem, quando adultas, realizarem-se na plenitude de sua condição de seres humanos. Se tivéssemos alguma resposta, talvez no futuro pudéssemos não ter Alexandres, nem Anas Carolinas e talvez fosse possível salvarem-se algumas Isabellas.
Há muito que se falar sobre ele, pois em virtude de buscar sua elucidação, a polícia civil apresentou um modo de trabalho conjugado com a polícia técnica que jamais havia acontecido no Brasil. Novas tecnologias de criminalística foram testadas e experimentadas; um procedimento mais arrojado, mais dinâmico, mais vigoroso foi utilizado, revolvendo-se técnicas operacionais de investigação já até esquecidas e adaptando-se outras recém-nascidas nos departamentos policiais do mundo dito desenvolvido. Dispositivos eletrônicos ultra modernos, reagentes químicos atualíssimos, exames laboratoriais minuciosos, tudo enfim foi empregado no trabalho de investigação criminal com o fim de se descobrir os hediondos criminosos que haviam assassinado uma menininha de cinco anos.
Tudo às vistas das máquinas fotográficas e câmeras de televisão, num modelo de divulgação que atingiu repercussão nacional e até mesmo internacional. A população foi e ainda está sendo alcançada pelos efeitos midiáticos do caso: “a polícia descobriu os criminosos, o pai e a madrasta”; “o promotor denunciou o casal e requereu sua prisão preventiva”; “os presos não aceitam dividir suas celas com tais execráveis bandidos”; são estas as frases que se ouve ao caminhar nas ruas, ao se pegar um táxi, ao se deslocar em locais públicos.
Institutos jurídicos penais foram trazidos à tona a fim de serem trabalhados e esmiuçados. Prisão temporária, inquérito, conveniência da investigação policial, relatório do delegado, denúncia, prisão preventiva, garantia da ordem pública são expressões que tomaram conta do discurso dos cidadãos nesses últimos dias. Definições, conceitos, opiniões, exposições e teses foram apresentadas e divulgadas. O processo penal brasileiro foi quase totalmente analisado. A figura do promotor foi destacada, a dos advogados de defesa, execrada. A prisão dos acusados trouxe o conforto inicial ao clamor do povo, respondendo à comoção de todos e restituindo a credibilidade à Justiça.
Com efeito, foi a clausura dos acusados que trouxe a catarse libertadora do anseio popular. A polícia descobriu por meio de provas os assassinos, o promotor manifestou seu parecer e o juiz determinou a prisão. O ciclo judicial para a opinião pública se completou. A Justiça foi restabelecida no país, um país de impunidade, um verdadeiro “paraíso penal”. Que não se permita aos astuciosos advogados com seus ardilosos recursos recuperar a liberdade dos acusados.
Pensei em escrever sobre tudo isto ou sobre um tema recortado do assunto. Desisti, porém, ao olhar ao redor e vislumbrar o rosto de outras crianças, cuja visão me trouxe à memória que, mesmo tendo legítimas preocupações, ainda não conseguimos um recurso adequado, independentemente da classe social a que pertençam, para permitir-lhes obter, ganhar ou adquirir um meio de vida melhor, mais harmonioso, mais construtivo e que as possibilitem, quando adultas, realizarem-se na plenitude de sua condição de seres humanos. Se tivéssemos alguma resposta, talvez no futuro pudéssemos não ter Alexandres, nem Anas Carolinas e talvez fosse possível salvarem-se algumas Isabellas.
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