Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

17 de maio de 2013

12 de maio de 2013

Tortura versus Anistia: estamos no caminho certo?


Passados quase trinta anos do fim da ditadura, nossa história continua obscura. E assim permanece não porque os mecanismos de pesquisa não possam ser efetivados, a fim de se saber sobre os acontecimentos daquele período. O que se esconde é a motivação que alimenta o interesse de descobrir.

Anistia alimenta tortura?


Sejamos claros: o interesse é a vingança!

Para aqueles que acompanham a discussão sobre o tema, revolver a ditadura não é, como dizem, trazer à luz a memória dos fatos para que estes não aconteçam jamais. Não é apaziguar os espíritos daqueles que sofreram direta e indiretamente com as arbitrariedades do período.

A rememoração, a busca da verdade dos acontecimentos, o avivamento de lembranças seria satisfeito com a pesquisa histórica, com a apresentação de fatos concretos, com a análise de documentos, com a incidência de clareza sobre suspeitas a partir de elementos palpáveis.

Contudo, a ideologia atual – a da vingança – é mascarada por argumentos baseados em pressuposto humanismo moldado em modelo retórico cativante. Quem se oporia, por exemplo, a apurar o “uso inadequado da força por parte das autoridades”, cuja inércia permitiria supostamente gerar “uma cultura de impunidade e de irresponsabilidade”?




Nessa retórica, cheia de lugares-comuns semânticos, encontramos certas palavras-chave que dão tom sedutor ao discurso: uso da força, autoritarismo, autoridades, impunidade, ilegalidade. Quem é a favor de qualquer destes conceitos? Absolutamente ninguém!

As expressões são tomadas como valores universais, por exemplo, quem é contra a impunidade dos agentes do período militar também é contra a alegada impunidade que seria trazida pela PEC 37 (aquela que não autoriza o MP a investigar). E o sofisma é provocado pelo raciocínio seguinte: se na ditadura houve impunidade porque esta não era investigada, haverá impunidade se o MP também não investigar. Isto é uma falácia! Há uma redução de universos fáticos complexos para uma única ideia comum traduzida pela expressão “impunidade”.

O grupo criado para analisar os documentos já recebe nome retoricamente pomposo e falso: “Comissão da Verdade”. Não seria Comissão de Resgate da Memória? Por que se arrogar como um grupo que detém a verdade?

Fins dos anos 70 a população pedia anistia


Aliás, a busca da verdade é algo que a humanidade pesquisa há milênios e não encontra nunca. A única coisa que se descobriu é que a verdade é dependente de contextos – e, para o chamado pensamento progressista, isto é quase um dogma! Mas, para se examinar a ditadura, existem os “donos da verdade”.

Não é a busca da verdade que ilumina o caminho da pesquisa sobre este período. Se o fosse, não se tentariam contornos para se suprimir os efeitos da chamada Lei da Anistia, já validada pelo Supremo e atacada hoje por meio de projeto de lei que tenta alterá-la, a fim de se punir os suspeitos agentes da tortura.

Averiguar a tortura e resgatar a memória são metas legítimas. O problema reside na sede de vingança, a qual para se efetivar no Estado de Direito tem de ser legitimada por estruturas de legalidade. Para isso, o uso da referida retórica.

Aqui desponta o cerne da questão. Quando a lei é alterada para esconder objetivos subliminares, permite-se que princípios historicamente construídos sejam renegados e, por sua vez, também esquecidos.

Em nome da vingança e para satisfazê-la, a noção de legalidade, que sustenta todo o sistema e principalmente o direito penal, será maculada. E encontraremos argumentos racionais para isso. Mas, se isto for feito, que será de nosso futuro?

Não estaremos nós colocando aqui a pedra fundamental para a construção de nossa Guantánamo? Não estaremos nós organizando o nosso “ato patriótico”? Lá a bandeira foi a do terrorismo contra o Estado; aqui a do terrorismo de Estado. Para supostamente lutar contra ambos, sempre haverá também supostos fundamentos de “verdade”. Quem arcará com eles depois?


Publicado originalmente em Última Instância (leia no site aqui)

6 de maio de 2013

Na Terra do Nunca aparece o Lobo Mau


Cercado de muita polêmica, o que ajuda bastante a divulgação, o cantor e compositor Lobão lança o livro “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”, após ter alcançado a cifra de 150 mil exemplares vendidos com a edição de sua autobiografia.




Qual seria a importância de mencionar esse livro num espaço de opinião cuja temática é a crítica sociopolítica, voltada principalmente para a esfera jurídica?

Para começar, pode funcionar como um case de estudos sobre a relação entre liberdade de expressão versus direito de imagem daqueles que são mencionados no livro. E talvez haja outros enfoques.

Chama-me a atenção, todavia, a questão da crítica cultural que, de certa forma, parece estar colocada no livro. Obviamente, como todos os que já estão falando acerca desse trabalho, não o li ainda, apenas tendo acesso ao material publicitário e aos textos de capa e prólogo. Porém, vislumbra-se nestes a possibilidade de um cidadão, que exerce a atividade de músico, tecer análise sobre a sociedade de cultura de massa a partir de perspectiva não acadêmica, construída com base em sua experiência vivencial e também fundada em alguma pesquisa.

Hoje, a crítica cultural, no sentido amplo da expressão “cultura”, como ambiente em que estamos todos inseridos e que nos forma, permite ser quem somos e nos fornece o próprio caminho da ação cotidiana – incluindo-se, assim, a crítica social e, portanto, a político-jurídica – é realizada por pesquisadores, no espaço acadêmico e, com as exceções da esfera tecnológica, restringe-se aos círculos universitários.

Na área do Direito, por exemplo, quais são as pesquisas que se tornam livros que vão efetivamente influenciar projetos de lei ou linhas políticas de ação sobre os temas abordados? A maioria faz comentários de lei para, quando publicadas, tornarem-se manuais de consulta ou, pior, roteiros de estudos para concurso.

Onde está a crítica cultural moderna? Onde estão os intelectuais? Onde estão os operadores do Direito que, ao invés de buscarem acomodar-se em cargos públicos por receio de tornarem-se meros despachantes forenses, poderiam estar lutando pela formação da consciência de cidadania do país?

Precisamos de um músico – e, devemos ressaltar que os primeiros filósofos, segundo Ortega y Gasset, eram loucos músicos – para nos lembrar da necessidade de exercermos nossa cidadania para além de acompanhar campanhas com temas pré-fabricados, outorgados e protegidos pela bandeira do politicamente correto?

Como podemos atuar na vanguarda se a antropofagia acabou numa grande dispepsia e permanecemos regurgitando aquilo que vem de fora sem termos a capacidade de digerir?

Um exemplo? O samba era nosso, envelheceu e virou funk. O som que era periferia e malandragem pura transformou-se em batida colonizada, aparentemente emancipadora e resistente. A crítica social das marchinhas sucumbiu diante da percussão continuada a retratar supostamente, numa estética da pobreza, o sofrimento vivenciado nas favelas, enquanto nestas padece o espírito do morador verdadeiro, que suporta dia a dia servir-se numa bandeja como alimento ao crime organizado.

E na área jurídica? Onde estão as bandeiras a serem desfraldadas na luta pela democracia? Serão elas as expressões mal traduzidas compostas de “ações afirmativas” para a pretensa construção de direitos subjetivos de categorias importadas de “afrodescendentes”, “homoafetivos” e deficientes sensoriais ou sinérgicos?

Por que não se lutar pelo negro, pelo homossexual, pelo cego, pelo paraplégico que sofrem, não por pertencerem a eleitas classes de minorias, mas por existirem num país de fantasia que não os remunera, que não os reconhece, que não os vê em sua dignidade e humanidade, assim como outros que não pertencem a nenhuma dessas categorias e suportam a mesma falta de reconhecimento em sua qualidade de humano?

O livro do Lobão pode não valer nada, talvez nem mereça leitura, mas nos faz lembrar que, independentemente de nossa atividade e mesmo por meio dela, é que somos instados a todo o tempo a questionarmos nossos parâmetros e nossos caminhos. E, se não o fizermos, possivelmente, permaneceremos na Terra do Nunca.


Publicado originalmente em Última Instância (leia no site aqui)



PEC 37 e investigação pelo MP: um tiro na democracia?

Da forma como tem sido trabalhada, a pauta foi colocada como tema fundamental de cidadania, dividindo o debate em dois grupos – diga-se, de modo inadequado – naqueles que são contra e nos que são a favor.


A favor ou contra: como decidir?


Os que são contra a PEC 37 estariam do lado da Justiça, pois dariam crédito às investigações feitas pelo MP, as quais supostamente têm levado criminosos à cadeia, num trabalho que a polícia não estaria mais conseguindo realizar. Este seria o grupo do Bem da Justiça contra o mal da ineficiência – como a propaganda está fazendo acreditar.


Favoráveis à aprovação da PEC seriam aqueles que estão do lado da polícia, a favor dos delegados como presidentes do inquérito policial e, portanto, contra o poder de investigação do MP, o que significaria um retrocesso em face das condenações obtidas pelo trabalho investigatório dos promotores. Estariam estes do lado do Mal, pois sua postura emperraria o funcionamento da Justiça – isto é o que se vê na propaganda também.

Há necessidade de se perguntar: a questão pode ser resumida entre um sim ou não? O que estaria por trás do interesse em se dar poder ao MP de investigar criminalmente pessoas? Por que o MP busca o apoio do cidadão para seu pleito? Qual o interesse do MP como instituição em ter poder para investigar?

A principal pergunta seria: da forma como funciona nosso sistema, seria possível ao MP investigar?
Alguns imediatamente responderiam, sem pensar, que o sistema não funciona e por isso o MP deve investigar. Aqui está o grande golpe publicitário da campanha a favor do pleito do MP.

Quando algo não funciona, busca-se obviamente seu conserto. Mas o reparo tem de ser feito de forma a não destruir o sistema. E aqui, no cerne do problema, está que a solução buscada para supostamente melhorar a Justiça vai destruir a democracia e, em longo prazo, o próprio sistema judicial.

Por quê? Porque não está simplesmente em jogo substituir a instituição policial, a qual não dá respostas aparentes à população, por outra que aparentemente as oferece.

Está em jogo – isto é fundamentalíssimo (perdoe-me o leitor o neologismo) – deslocar uma função institucional de Estado de um órgão constitucionalmente determinado para outro cuja atribuição legal não prevê tal possibilidade.

Caro leitor, isto é muito grave! A constituição estrutura o sistema de investigação criminal, fornecendo um organismo específico para isso. Outro organismo, percebendo as falhas do primeiro, arroga-se por si mesmo possuir as condições para lhe tomar as funções.

Que fique claro isso: o MP está autocertificando a partir de si mesmo que tem a função constitucional de investigar criminalmente as pessoas.

E não tem! Nunca teve, nem pode ter, pois suas funções são processuais. Ele é o fiscal da lei e possui ampla esfera de atribuição em várias áreas, incluindo investigações não criminais.

Na esfera criminal, aquela mais delicada de todas, a cautela tem de ser maior. Por isso, existe a polícia, que realiza a investigação preliminar mediante inquérito policial. E neste, o MP já pode acompanhar as investigações como fiscal da polícia! E depois, é o mesmo MP que efetiva a denúncia e acompanha a acusação.

A lógica do sistema está aqui: quem acusa não pode investigar, porque obviamente a investigação deixa de ser isenta. Esta é a razão de dividir as duas funções em termos institucionais.

Não é por não funcionar bem, que se podem buscar respostas que irão matar o sistema como um todo. Para os problemas da polícia, devemos buscar soluções dentro da ordem constitucional.

Para alguns, investigação pelo MP não vai fazer mal, pois os resultados supostamente em casos que já ocorreram foram positivos. Todavia, a história tem vários exemplos de pretensas soluções que foram buscadas fora de uma estrutura normativa já organizada e que se transformaram em fracasso, quando não vilipendiaram a democracia, provocando arbitrariedade e abusos.

Por último, fica a pergunta: você sabe realmente o que é e como funciona e atua o MP? Responder a esta questão pode esclarecer melhor a postura de ser “contra ou a favor” da PEC 37.

Publicado originalmente em Última Instância (clique aqui)