Por Dentro da Lei

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6 de maio de 2013

Na Terra do Nunca aparece o Lobo Mau


Cercado de muita polêmica, o que ajuda bastante a divulgação, o cantor e compositor Lobão lança o livro “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”, após ter alcançado a cifra de 150 mil exemplares vendidos com a edição de sua autobiografia.




Qual seria a importância de mencionar esse livro num espaço de opinião cuja temática é a crítica sociopolítica, voltada principalmente para a esfera jurídica?

Para começar, pode funcionar como um case de estudos sobre a relação entre liberdade de expressão versus direito de imagem daqueles que são mencionados no livro. E talvez haja outros enfoques.

Chama-me a atenção, todavia, a questão da crítica cultural que, de certa forma, parece estar colocada no livro. Obviamente, como todos os que já estão falando acerca desse trabalho, não o li ainda, apenas tendo acesso ao material publicitário e aos textos de capa e prólogo. Porém, vislumbra-se nestes a possibilidade de um cidadão, que exerce a atividade de músico, tecer análise sobre a sociedade de cultura de massa a partir de perspectiva não acadêmica, construída com base em sua experiência vivencial e também fundada em alguma pesquisa.

Hoje, a crítica cultural, no sentido amplo da expressão “cultura”, como ambiente em que estamos todos inseridos e que nos forma, permite ser quem somos e nos fornece o próprio caminho da ação cotidiana – incluindo-se, assim, a crítica social e, portanto, a político-jurídica – é realizada por pesquisadores, no espaço acadêmico e, com as exceções da esfera tecnológica, restringe-se aos círculos universitários.

Na área do Direito, por exemplo, quais são as pesquisas que se tornam livros que vão efetivamente influenciar projetos de lei ou linhas políticas de ação sobre os temas abordados? A maioria faz comentários de lei para, quando publicadas, tornarem-se manuais de consulta ou, pior, roteiros de estudos para concurso.

Onde está a crítica cultural moderna? Onde estão os intelectuais? Onde estão os operadores do Direito que, ao invés de buscarem acomodar-se em cargos públicos por receio de tornarem-se meros despachantes forenses, poderiam estar lutando pela formação da consciência de cidadania do país?

Precisamos de um músico – e, devemos ressaltar que os primeiros filósofos, segundo Ortega y Gasset, eram loucos músicos – para nos lembrar da necessidade de exercermos nossa cidadania para além de acompanhar campanhas com temas pré-fabricados, outorgados e protegidos pela bandeira do politicamente correto?

Como podemos atuar na vanguarda se a antropofagia acabou numa grande dispepsia e permanecemos regurgitando aquilo que vem de fora sem termos a capacidade de digerir?

Um exemplo? O samba era nosso, envelheceu e virou funk. O som que era periferia e malandragem pura transformou-se em batida colonizada, aparentemente emancipadora e resistente. A crítica social das marchinhas sucumbiu diante da percussão continuada a retratar supostamente, numa estética da pobreza, o sofrimento vivenciado nas favelas, enquanto nestas padece o espírito do morador verdadeiro, que suporta dia a dia servir-se numa bandeja como alimento ao crime organizado.

E na área jurídica? Onde estão as bandeiras a serem desfraldadas na luta pela democracia? Serão elas as expressões mal traduzidas compostas de “ações afirmativas” para a pretensa construção de direitos subjetivos de categorias importadas de “afrodescendentes”, “homoafetivos” e deficientes sensoriais ou sinérgicos?

Por que não se lutar pelo negro, pelo homossexual, pelo cego, pelo paraplégico que sofrem, não por pertencerem a eleitas classes de minorias, mas por existirem num país de fantasia que não os remunera, que não os reconhece, que não os vê em sua dignidade e humanidade, assim como outros que não pertencem a nenhuma dessas categorias e suportam a mesma falta de reconhecimento em sua qualidade de humano?

O livro do Lobão pode não valer nada, talvez nem mereça leitura, mas nos faz lembrar que, independentemente de nossa atividade e mesmo por meio dela, é que somos instados a todo o tempo a questionarmos nossos parâmetros e nossos caminhos. E, se não o fizermos, possivelmente, permaneceremos na Terra do Nunca.


Publicado originalmente em Última Instância (leia no site aqui)



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