Por Dentro da Lei

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22 de junho de 2013

PEC 37: exercício de cidadania ou espaço de impunidade?

Resposta a um amigo 

PEC 37: exercício de cidadania ou espaço de impunidade?


Meu caro, amigo. Recebi suas considerações sobre a PEC 37, pelas quais você afirma que o MP deveria ter o poder de investigar, principalmente porque ele tem sido aparentemente bem sucedido em casos de corrupção, como a mídia vem demonstrando.

Creio que não estamos discordando da matéria de fundo. Todos nós estamos insatisfeitos com a corrupção e com a forma com que ela é investigada no Brasil. Assim, deve-se buscar um novo sistema de investigação para esses casos.

Os casos de maior repercussão aparecem na mídia como sendo investigados pelo MP. Isto dá a impressão que são eles que investigam. Devemos, porém, lembrar das operações da Polícia Federal, que trouxeram alguns resultados positivos. Esta é uma segunda questão, que seria a análise dos casos de corrupção investigados. Aqui já aparecem problemas, pois, como o sistema é complexo, envolvendo inclusive atuação do judiciário, a avaliação dos resultados é delicada. Mesmo no caso do mensalão, a aplicação das penas será um problema.

Outra questão é que, quando falamos em investigação criminal, estamos falando de investigar todo e qualquer cidadão por qualquer tipo de crime. Este é o detalhe perigoso e sutil que não aparece quando se fala simplesmente em ser contra ou a favor da PEC 37.

Investigar é algo que qualquer pessoa pode fazer. Quando há suspeita, a mulher investiga o marido para saber se há traição; o patrão investiga o empregado para saber se há furto; o empregado investiga o patrão para saber se este não está desviando verbas devidas. Podemos lembrar ainda os caso de espionagem e contraespionagem industrial. O advogado investiga para saber se a parte contrária tem bens para execução. Existem ainda as investigações administrativas autorizadas para certos órgão públicos, como Receita Federal e outros. O ponto principal é que todas estas investigações ocorrem até o ponto em que confrontam direitos fundamentais. Há uma barreira determinada pelos direitos fundamentais, que impede que outros modelos de investigação sequer esbarrem nela.

Já na investigação criminal, esse mecanismo não funciona da mesma forma. Obviamente se respeitam os direitos fundamentais, mas, dependendo do caso, estes podem ser esgarçados ao limite. Exemplo clássico: prisão. Num inquérito policial, o investigado pode perder a liberdade, que é o direito mais essencial do cidadão. 

O inquérito policial, definido pela doutrina – veja, em sua maioria constituída por integrantes do MP – como “mero procedimento administrativo”, permite a supressão da liberdade, ato de caráter eminentemente judicial, dentro de seu próprio corpo. Vc sabe, mas alguns colegas que vão ler talvez não, o ato judicial respeita o contraditório (em resumo, o “debate entre partes”); no inquérito policial não existe o contraditório, embora incida a ampla defesa (possibilidade de apresentar elementos a favor do acusado). Aqui está o cerne da questão.

No inquérito policial, da forma como o sistema funciona hoje, a presidência do Delegado, embora tenha liberdade de ação está subordinada diretamente ao Juiz quanto à legalidade de todo e qualquer ato. E, a partir da Constituição de 88, o MP ganhou a capacidade de fiscalizar o inquérito policial e acompanhá-lo diretamente, como fiscal da lei, custus legis, podendo requisitar – veja, não é requerer ou pedir, é requisitar – diligências e informações, inclusive diretamente a certos órgãos. Tudo isso, sempre sob a batuta do Juiz de Direito.

E mais, quando o inquérito acaba, o MP é o órgão que tem de examinar o trabalho feito para saber se existem elementos para iniciar uma ação penal. Num sistema demococrático, o processo é a verdadeira investigação, pois é nele que se vai verificar se o acusado cometeu o crime, dentro do contraditório e com a possibilidade de ampla defesa. 

O MP é o acusador no processo, ele é a parte que obrigatoriamente tem de fazer a acusação. E aqui, a lógica do sistema. Quem tem a obrigação de acusar, não pode, em todos os casos, com todos os poderes, dar início à investigação, pois, ao término desta, não haveria um órgão diferente para questionar a legitimidade da investigação. O MP faria a investigação e automaticamente iniciaria o processo, pois não seria possível a ele mesmo delegitimar o próprio trabalho.

Veja, nós estamos falando de todos os crimes e de todas as pessoas. Aceitar que o MP se legitime na investigação policial – poder que ele constitucionalmente não tem – é autorizar um organismo público de acusação a fazer a pré-acusação, num ambiente em que todos os direitos fundamentais podem ser esgarçados ao máximo. È muito poder para uma instituição só. Se der errado, o risco e o custo serão muito grandes.

E a experiência está mostrando isso. Em São Paulo, há um provimento interno do MP que autoriza certas “análises”, que são investigações mascaradas. Os abusos que podem ser cometidos são muitos e já foram registrados. Isto não é divulgado.

Eis todo o motivo de se aprovar a PEC 37, apesar de tudo que se tem falado, incluindo um suposto fundamento obscuro por parte do autor do projeto. A PEC 37, medida que somente pode existir numa democracia juvenil como a nossa, pois tudo isso já está na lei, deve ser aprovada como garantia futura de impedir que uma instituição cresça e o cidadão perca o controle e, via de consequência, seja atingido em seus direitos fundamentais.