Última Instância
Renata D'Elia
12/09/2010 - 14h31
O deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) teve o registro de candidatura
cassado pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) no dia 23 de agosto deste ano, enquadrado na
Lei Ficha Limpa. Ironicamente, o parlamentar pode ser beneficiado com a decisão: inelegível pelos próximos oito anos e sem mandato a partir de 2011, Maluf perderá o direito a foro privilegiado e poderá ver o STF (Supremo Tribunal Federal) devolver à primeira instância os processos nos quais figura como réu, por crimes ao sistema financeiro.
No entendimento da maioria dos ministros do tribunal eleitoral, a
condenação de Maluf por improbidade administrativa, devido à suposta compra de frangos superfaturados quando era prefeito da capital paulista, em 1996, foi suficiente para enquadrá-lo como “ficha suja”.
Além da demora burocrática para mudança de instância dos processos, uma condenação em primeira instância permitiria que a defesa entrasse com novos recursos, postergando, novamente, eventuais punições.
Para o procurador regional eleitoral Pedro Barbosa, que anteriormente integrou a equipe de acusação a Maluf no MP-SP (Ministério Público de São Paulo), o deputado é “o maior exemplo da tônica da impunidade em crimes de corrupção”.
Com a morosidade do judiciário e o protelamento dos julgamentos, Maluf também acaba sendo favorecido com a presunção da inocência e os 79 anos recém-completados, no dia 3 de setembro. De acordo com o Código Penal, o prazo prescricional deve ser reduzido pela metade para réus acima dos 70 anos. Por esse motivo, na última quarta-feira (8/9), o ministro do Supremo Joaquim Barbosa decidiu
extinguir uma ação por superfaturamento de obras, sobre a qual Maluf respondia por crimes de falsidade ideológica e responsabilidade pelos fatos ocorridos em 1996, durante sua gestão na prefeitura.
O parlamentar teria criado, junto com os ex-secretários de Finanças Celso Pitta e José Antônio de Freitas, créditos adicionais suplementares no valor de R$ 1,8 bilhão. Estima-se que, na ocasião, a prefeitura teve um déficit de R$ 1,2 bilhão.
Segundo o advogado criminalista e professor de Direito Penal João Ibaixe Jr., a transferência de instâncias não é obrigatória na perda de foro privilegiado. “Os advogados podem pedir que o processo retorne à primeira instância, mas as regras de competência são relativas e há de se avaliar a economia processual”. No entanto, “o prosseguimento no STF é muito moroso. Há um excesso de serviços e uma completa ineficiência da máquina burocrática”, pondera.
Por outro lado, o procurador Pedro Barbosa avalia que a inelegibilidade do político não traz grandes implicações. “Como deputado, Maluf pode renunciar a qualquer momento e perder o foro privilegiado, causando esse 'efeito gangorra' entre primeiro e último grau. O cidadão comum não consegue fazer esse jogo, suas ações não podem simplesmente subir de instância”, afirma. Na história da política brasileira, há precedente nesse sentido. Em 2007, o ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, seria julgado na Suprema Corte pela tentativa de homicídio de seu antecessor no governo estadual, Tarcísio Burity, crime ocorrido 14 anos antes, em novembro de 2003. No entanto, o parlamentar
renunciou ao cargo de deputado, fazendo com que o julgamento voltasse para primeira instância e o caso fosse levado ao tribunal do júri. O
ministro Joaquim Barbosa considerou a atitude uma manobra, com “segundas intenções”, para impedir que a Justiça se pronunciasse.
A decisão mais recente sobre o caso de Cunha Lima ocorreu na última quarta-feira (8/9), quando o TJ-PB (Tribunal de Justiça da Paraíba) anulou a sentença de pronúncia, do 1º Tribunal do Júri da capital, por “excesso de linguagem do juiz”. De acordo com o jornal
PB Agora, os advogados de defesa Luciano Pires e Solon Benevides sustentam a tese de que o crime já prescreveu e afirmam que outros recursos estão sendo preparados para anular o processo. Uma nova sentença deve ser proferida pelo juiz do 1° Tribunal do Júri, pronunciando ou não o acusado por tentativa de homicídio.
Na opinião do procurador eleitoral, o foro privilegiado é uma das principais causas da impunidade no Brasil. “Isso é anti-republicano. Sou favorável à extinção dos foros por prerrogativa de função. Além do mais, o juízo de primeira instância costuma ser mais objetivo; o próprio Paulo Maluf foi condenado por improbidade administrativa no caso dos frangos em primeira instância”.
Quanto ao prazo prescricional reduzido para maiores de 70 anos, segundo João Ibaixe, isso também não justifica a demora na condução dos processos. “A lei da prescrição parte do princípio de que a vida é finita e que, portanto, nenhuma acusação pode ser infinita”. Em tese, trata-se de uma garantia para os julgamentos sejam realizados mais rapidamente.
“No caso do Maluf, a prescrição acabou contando a seu favor. Mas os idosos cidadãos comuns podem ficar anos encarcerados, aguardando julgamento sem perspectiva. A prescrição reduzida seria uma garantia de solução mais rápida para o caso. O problema, no entanto, continua na morosidade do judiciário”, explica.
De acordo com o professor, diante da possibilidade de ampla defesa assegurada aos réus, as decisões penais favoráveis do STF confirmam a tendência de se acatar recursos em excesso, o que colabora com a demora das decisões. “Perde-se muito tempo reunindo testemunhas que o MP considera desnecessárias”, exemplifica. “A juntada excessiva de documentos também é um fator desfuncional no judiciário”.