Por Dentro da Lei

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30 de dezembro de 2020

2021: Um Ano Novo com muita saúde e um orçamento controlado!

Para o ano de 2021, é muito importante continuar cuidando da saúde, porém, não se pode esquecer de outra dimensão, a financeira, que pode complicar a vida de muita gente.


Anotamos as dicas de alguns especialistas e as reunimos para você!

Fonte: Shutterstock

Reorganização

São três etapas iniciais.

1. Faça uma revisão de todos os gastos dos últimos três meses;

2. Anote todas as receitas; se for autônomo, faça uma média de ganhos;

3. Faça uma previsão de quanto deve ganhar e gastar ao longo de todo o ano.


Com tudo anotado, em detalhes, é preciso passar um pente-fino no que é possível cortar para que sobre mais dinheiro no fim de cada mês. 

O professor de finanças da FGV, Fabio Gallo, ensina uma tática de priorização das despesas. É o que ele chama de "Orçamento ABCD":

- A, de Alimentar: especificamente os suprimentos para a família, sem supérfluos;

- B, de Básico: contas essenciais, como água, luz, gás, aluguel, entre outros;

- C, de Contornável: tudo o que faz a vida mais confortável, mas dispensável em um momento de emergência;

- D, de Desnecessário: gastos recorrentes que não fazem mais sentido (academia que não frequenta, TV a cabo que não assiste e semelhantes).

 

Depois de catalogar tudo, elimine tudo o que está na categoria D. Depois, veja tudo o que está em C e pode ser ajustado. Um exemplo é trocar uma TV a cabo com muitos canais que não se assiste por serviços de streaming que sejam mais baratos.

Algumas despesas podem estar na fronteira entre uma categoria e outra. O combustível é uma delas. Se a dependência da família pelo carro for alta, entra em Básico. Se o uso for por lazer, pode estar na categoria Contornável.


Eliminar as dívidas

Antes de pensar em juntar dinheiro, é preciso se livrar de quaisquer pendências. O final de ano dá uma oportunidade especial para a quitação de dívidas, em especial por conta do 13º salário e outras rendas típicas do momento. Para quem está endividado, não há destino melhor para o dinheiro extra que zerar os débitos.

Não se pode esquecer, contudo, que as contas do início do ano também são pesadas. Há pagamento de impostos, como IPVA e IPTU, além de contas como seguro obrigatório de carros, matrícula e material escolar para os filhos de quem frequenta escola particular.

Para o professor Henrique Castro, também da FGV, é importante saber priorizar. Deve vir à frente qualquer atraso com as contas básicas para evitar cortes, caso de água, luz, gás e aluguel.

Em seguida, vale dar preferência a bens que podem ser recuperados pelos credores. Entram neste rol os financiamentos de veículos e imóveis.

Uma outra importante medida para melhorar o orçamento é trocar dívidas mais caras por outras mais baratas. 

É ideal tentar pagar dívidas com juros altos mesmo que isso signifique pegar um empréstimo com taxas mais amigáveis. 

Michael Viriato, coordenador do centro de finanças do Insper, lembra que linhas especiais de crédito costumam surgir no início do ano para ajudar com as contas desse período. Por exemplo, a linha de crédito que permite antecipar o recebimento da restituição do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Assim, em resumo, rever os gastos, prever o quanto irá ganhar seguramente e eliminar as dívidas.


O blog Por Dentro da Lei deseja a você um excelente 2021! 

Muita saúde, paz e dinheiro no bolso!



22 de dezembro de 2020

BOAS FESTAS!


 
Que o Natal seja um momento de paz e reflexão sobre o sentido da caridade!

Que o Ano Novo revigore esperanças e permita realizar os projetos sonhados!

Feliz Natal!

Feliz Ano Novo!




3 de novembro de 2020

Estupro culposo: como se chegou a este absurdo

O caso da jovem influencer Mariana Ferrer gerou grande repercussão por conta do absurdo da tese divulgada como fundamento para absolver o acusado: ‘estupro culposo’.

 

Mariana Ferrer e o acusado (fonte: Correio 24horas)


A decisão aconteceu num processo da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, em Santa Catarina, onde a jovem figurava como vítima, a partir de uma acusação contra o empresário André de Camargo Aranha.

 

Segundo a própria denúncia, ela teria sido dopada e levada a um lugar desconhecido dentro do Café de La Musique, um clube de luxo de Florianópolis, que a havia contratado com embaixadora naquela noite. No local, fora violada sexualmente pelo empresário, que alegou que ela o provocara e que consentira com o ato.

 

No último dia 9 de setembro, o acusado foi absolvido porque, de acordo com o próprio promotor de justiça, o acusado não teria como saber que a jovem se opunha, se contrariava ou se negava ao ato, porque não houve como provar que ela estaria bêbada. Por esta lógica, como não havia condições do acusado saber que a vítima não consentia com a relação, a figura do estupro não apresentava elemento volitivo, quer dizer, o acusado não teria ‘vontade’ de estuprar. Portanto, sem vontade, o crime seria ‘culposo’, logo, cabendo absolvição. A tese da ausência de prova para demonstrar a embriaguez e o estado de incapacidade da vítima foi aceita pelo juiz. 

 

A par do escândalo que foi a audiência, amplamente divulgada em vídeo nas redes sociais, e muito além da questão do machismo envolvido como pano de fundo, há uma terrível erosão no espaço jurídico, que denota o atual desprezo com o direito penal pátrio.

 

Com efeito, para o leitor compreender melhor – sem uma preocupação com muita precisão teórica – todo crime configura-se a partir de elementos de composição, chamados de ‘elementares do crime’. Basicamente, são três: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

 

A tipicidade é o elemento de maior destaque e a culpabilidade, hoje, um dos mais problemáticos. A vontade para a prática de um delito reside, como elementar, na tipicidade. Uma conduta, ação ou omissão, é típica quando o agente não só executa o ato (ou deixa de executá-lo), mas quando também tem vontade de realizar o ato em toda sua configuração.

 

No estupro, basicamente, o ato é a penetração (mas pode haver outras ações). Além da penetração, o agente tem de decidir contrariar o desejo da vítima, vale dizer, ele age com violência física (por meio de força ou uso de arma) ou moral (por meio de constrangimento excessivo). Quando a vítima está incapacitada de oferecer resistência, pode haver a chamada vulnerabilidade.

 

A teoria ainda está em evolução e, diferentemente do que se prega (algumas vezes até na mídia), ela ajuda – e muito – tanto na configuração do delito, quanto na possibilidade de se condenar criminosos. Mas, atualmente, tudo que é midiático chama mais a atenção, assim, tem-se casos de inocentes condenados e criminosos que escapam.

 

Neste especificamente, o descaso com a teoria foi a fonte da indignação e da ridicularização da tese do promotor e da sentença absolutória.

 

O absurdo maior foi a consagração da expressão ‘estupro culposo’, que já virou mote nas redes sociais. A imbecilidade e a burrice no campo jurídico acabaram por auxiliar a divulgar uma barbaridade contra a jovem, que foi vítima da violência mais degradante, porque, além do estupro, foi vítima do constrangimento na investigação dos fatos.

 

Não fosse a jovem divulgar seu drama nas redes sociais, os fatos ficariam esquecidos e tudo estaria como sempre o foi.

 

Porém, há um detalhe grave que se deseja destacar: o caso tem um precedente recente. Neste, a também jovem vítima não soube utilizar-se das redes sociais o suficiente para se defender. Ademais, não era um empresário apenas rico envolvido, era uma celebridade, muito requisitada e de alta consideração em vários meios, principalmente o esportivo.

 

Fala-se aqui do caso Neymar X Najila Trindade, ocorrido em 2019, em Paris, quando a jovem, a convite do jogador foi ‘visitada’ no quarto em que estava hospedada, pago pelo mesmo jogador. Aqui também o estupro foi ‘culposo’, mas ninguém deu ouvidos. Não interessava. Tivesse havido interesse na correta investigação e, talvez, se tivesse evitado o caso Mariana Ferrer.

 

O que se espera é que a campanha das redes sociais permita evitar que outras mulheres sejam vítimas do mesmo tipo de crime, deste odioso e, hoje, conhecido como ‘estupro culposo’.




29 de outubro de 2020

17 anos do Estatuto do Idoso

Por Clarice D'Urso e Umberto D'Urso


Envelhecer? Certamente, com a mente sã, me renovando dia a dia, a cada manhã.



Envelhecer? Certamente, com a mente sã  Me renovando dia a dia, a cada manhã. Tendo prazer, me mantendo com o corpo são Eis o meu lema, meu emblema, eis o meu refrão! (Lokua Kanza e Carlos Rennó, "Lema".) 


Comemoramos no dia 1º de outubro, 17 anos da promulgação do Estatuto do Idoso, a Lei 10.741/2003 que veio para assegurar os direitos aos idosos, oferecendo garantias efetivas. 


O Estatuto utilizou, para definir quem é “idoso”, o critério cronológico, a partir de um limite etário, à pessoa com idade igual ou superior 60 anos. Tal definição está elencada no primeiro artigo dessa norma jurídica, não havendo qualquer dúvida sobre o assunto. 


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a estimativa de vida do brasileiro ampliou-se, entre 2017 e 2018, passando de 76 para 76, 3 anos. 


A nossa Constituição de 1988 estabeleceu no artigo 230, que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida”.  


Mas a grande pergunta que devemos fazer diz respeito à qualidade de vida da população mais idosa: será que chegamos, ao menos, perto do ideal?  


Na década de 1960, o país registrava 3 milhões de idosos; atualmente, em 2020, já são 32 milhões, e, em 2060, a estimativa é que teremos um terço da população brasileira acima de 60 anos. 


Nesse ritmo de crescimento, os desafios para os governantes e as famílias são muitos. Precisamos cobrar, das autoridades políticas, respeito e atitudes efetivas voltadas a essa faixa etária. 


A Organização das Nações Unidas estabeleceu o “Dia Internacional do Idoso”, em 1º de outubro, como forma de respeitar os direitos dos idosos e dar visibilidade para as questões que envolvem esse segmento mais longevo da população. 


Os idosos enfrentam vários desafios principais: os cuidados com a saúde, a violência dentro e fora de casa, a exclusão social e o abuso financeiro.  


Essas pessoas precisam de novas políticas de prevenção, serviços de saúde, previdência e cuidados permanentes, mais que outras faixas etárias. Tudo isso agregado a um fator fundamental, que é manter uma vida ativa e produtiva com o passar dos anos. 


Em relação à saúde, o Estatuto do Idoso assegura que é direito o acesso universal e contínuo aos serviços de saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento geriátrico, seja em ambulatórios, hospitais ou de forma domiciliar. Também é assegurado acesso a medicamentos gratuitos, assim como a tratamento, próteses e reabilitação. 


No entanto, a pandemia da Covid-19 tem dificultado o atendimento aos idosos na rede pública de saúde, pois são eles um dos principais grupos de risco à doença. Além disso, muitos estão vivendo um verdadeiro isolamento social, afastados do convívio com familiares, afetando principalmente aqueles que não dispõem de meios eletrônicos para fazer contato com parentes e amigos, o que tem acarretado sérios problemas de saúde, como depressão, síndrome do pânico e, em certos casos, até mesmo suicídio. 


A violência é outro ponto importante que deve ser enfrentado na preservação do direito dos idosos, pois não ocorre só nas ruas, onde a pessoa idosa é vista como “alvo fácil” para furtos e roubos; como os casos das saidinhas de banco. Muitas vezes, o criminoso mora na mesma residência, é o parente ou o cuidador, que deveria proteger e amparar a pessoa idosa, cujos direitos, porém, são violados e negligenciados por inescrupulosos. 


Os idosos têm sido vítimas de violência com maior frequência, por conta da pandemia: segundo informações do Disque 100, quintuplicaram as denúncias durante o período, passando de 3 mil, em março, para 17 mil, em maio. 


Devido à vulnerabilidade dos idosos, estes acabam reféns dos parentes, sob os aspectos físico e psicológico. Um exemplo são empréstimos abusivos, contraídos em nome do idoso, para, em tese, prover aporte financeiro a pessoas próximas, que, em diversos casos, deixam de realizar os pagamentos e comprometem ainda mais o parco valor recebido como aposentadoria, o que dificulta a sobrevivência desse idoso.  


O processo de envelhecimento da população aponta para muitos desafios e mudanças de visão, que inclui o idoso como um sujeito de direitos. É, portanto, fundamental o desenvolvimento de ações que promovam o envelhecimento saudável, sem isolamento social. Nesse sentido, o Estatuto do Idoso constituiu um fator importante para assegurar direitos aos idosos nas esferas federal, estadual e municipal. 


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Clarice Maria de Jesus D’Urso, Bacharel em Direito com Especialização “Lato Sensu” em Direito Penal e Processo Penal pela UniFMU, Mestre pela UniFMU na Sociedade da Informação, Conciliadora na área da família pela Escola Paulista da Magistratura do Estado de São Paulo, Conciliadora pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas - ABMCJ e Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, recebeu várias honrarias, homenagens é autora de várias Cartilhas e  artigos.


Umberto Luiz Borges D’Urso, Advogado Criminal, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, Pós Graduação “Lato Sensu” em Direito Penal pela UNI-FMU, Pós Graduação “Lato Sensu” em Processo Penal pela UNI-FMU, Pós-Graduação em Direito pela Universidade de Castilla–La Mancha-Espanha, Conselheiro Efetivo Secional e Diretor de Cultura e Eventos da OAB/SP nas gestões de 2004/2018, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo por quatro gestões, Membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária da Secretária da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Membro do Comitê Gestor da SAP. 



Publicado originalmente em Semanário da Zona Norte (para ler no original, clique aqui)





15 de outubro de 2020

Dia do Professor: um presente aos alunos

 

Quando me perguntam o que é ser professor, recordo-me dos dizeres do grande e saudoso Prof. Goffredo Telles Jr.: professor é alguém que prepara as aulas como um presente para os alunos.

 

Imagem da internet


Mais do que lançar sobre estes um conjunto de informações, mais do que ter o "dom" de se comunicar, o professor deseja entregar algo de si aos alunos, deseja dividir seu espírito com eles, numa relação em que a individualidade não importa, em que o "eu" não participa. Professor é intersubjetividade pura!

 

Alguns não entendem isso e destacam certas ações, valorizando a entrega do saber. O professor não detém saber nenhum. O saber não é uma propriedade, o saber é uma vivência. O professor transmite uma experiência vivida. Não um acontecimento ou uma sucessão deles, não um conjunto de experiências cotidianas, mas aquela da qual ele sente o peso na alma. Aquela que foi sendo trabalhada, trabalhada e ele deseja transmitir a outro.

 

Não há nenhum valor nisso na sociedade tecnológica atual, pois o conhecimento é algo que tem de ser "obtido", pesado, medido, para que possa ser utilizado, usado como bem de produção, para dar retorno econômico ou bem de consumo para fornecer status. Professor, hoje, é individualismo puro!

 

Diante disso, cumprimento àqueles que, apesar de tudo, se dedicam ainda a preparar aulas como quem entrega um presente a seus alunos.




25 de agosto de 2020

A Educação de castigo

O tema educação nos chama a atenção sempre, contudo, com mais intensidade, quando os horizontes buscados são nebulosos e quando as teorias evocadas relembram propostas medievais, sem, todavia, o mesmo espírito humanista da época. Para alguns, hoje, a Educação deve ser entendida quase como sinônimo de puritanismo. Um puritanismo a ser imposto pela dor.



O assunto de que os pais devem educar os filhos por meio do castigo mais uma vez voltou à tona, tanto por conta de uma declaração em vídeo do atual ministro da respectiva pasta, como pela notícia de que a Justiça do Rio de Janeiro determinou a apreensão de um livro, cuja autora defendia tal ideia.


Atualmente, deixa-se de lado a noção de que o processo pedagógico é um processo de formação e destaca-se a visão de que é técnica dentre técnicas, cujo objetivo é a de busca de produtividade e eficiência, mas não de saber e conhecimento.


A expressão formação é muito importante para pensadores alemães, como Gadamer, por exemplo, pois ela remete ainda ao conceito de cultura, modo especificamente humano de aprimoramento. E aptidões humanas são aperfeiçoadas na relação intrínseca de todos os sentidos. Em alemão, formação é Bildung, cujo sentido traduz tanto a noção de processo como a de resultado. A palavra alemã remete também à ideia de imagem, em alemão “Bild”, contida em “Bildung” e representada por “forma”, em português, na palavra “formação”.


Forma, pode-se recordar, tem raiz longínqua no pensamento grego e pode ser considerada sinônimo de “ideia”. O principal defensor da teoria das ideias foi Platão, como se sabe, o qual, em seu livro mais conhecido, A República, apresenta também uma metodologia pedagógica. O objetivo de Platão na obra, dentre outros, era apresentar os mecanismos de formação de bons cidadãos. Para tanto, a educação (paideia) deveria ser adequada a isso. Com todo seu rigor, porém, Platão nos aponta que a educação deve começar pela música. Assim, em que pese a rigidez, própria aos objetivos a que se propôs, o filósofo grego não abandona a arte como porta de entrada para a educação.


Outro pensador, Plutarco, que escreveu o considerado primeiro tratado pedagógico da história, chamado “Da educação das crianças”, propõe um conjunto de regras morais sobre a educação, antes do que propriamente uma metodologia sobre ela. Os conselhos apresentados vão desde a boa alimentação até a escolha de bons professores e o cuidado dos pais em observar as crianças em sua formação (hoje em dia, a grande dificuldade dos pais é exatamente esta).


Lembrado como obra que exige a imposição de rigor para se educar a criança, alguns o utilizam como argumento para que a educação seja um processo que contenha castigos moderados e/ou até mais rigorosos. Mas esta é uma leitura errada da obra, porque, contra o uso da dor pela pedagogia, há referência expressa de que a educação se deve conduzir com conselhos e palavras e não por golpes, nem maus-tratos.


Há alguns também que buscam fundar seu entendimento em processos dolorosos para a educação num modelo religioso, de fundo cristão, para o qual, supostamente, o sofrimento é o único caminho para elevar-se na existência. Assim, a dor, confundida aqui com sofrimento, é a via de acesso a todas as dimensões da experiência humana, incluindo-se a educação.


O argumento está baseado numa leitura errônea da paixão de Cristo. Esta indicaria o percurso imposto a Jesus, precedido pela flagelação, em que carrega a cruz com a qual seria crucificado no Monte Calvário. Paixão, neste contexto, significa sofrimento. Se Deus exigiu o sacrifício de seu próprio filho, pelo sofrimento, o percurso da redenção está no sofrimento. Logo, a vida humana é sofrimento, mas sempre sofrimento associado à dor. Para essa visão, educação também é uma via dolorosa e seu processo implica em dor e sofrimento.


Como se disse, todavia, essa visão é incorreta. O sacrifício cristão deve ser lido como um sair de si em direção ao outro e a dor é elemento secundário, porque Cristo não precisava da redenção pela dor. A essência de seu sacrifício é o entregar-se ao outro, à humanidade. Com isso se vê o erro de alguns educadores, principalmente de orientação cristã, de apoiarem-se na dor como meio constitutivo do processo educacional.


Outro erro é misturar-se a compreensão de dor, sofrimento e a paixão cristã. Paixão em seu significado comum quer dizer um conjunto de sentimentos que se opõem à razão e é um termo que vem do latim arcaico “passio”, como é sabido.


“Passio” era um termo importante para a escola estoica do século III a.C., porque traduzia a ideia de “perturbatio”, ou seja, tudo aquilo que perturbava a alma do filósofo. Dessa conotação deriva o significado atribuído comumente ao termo paixão.


Todavia, “passio” deriva da expressão grega “pathos”. Para os gregos, não havia nenhuma conotação pejorativa para o termo. Não era nenhuma perturbação, mas sentimento, entendido como uma disposição emocional complexa, a princípio, nem negativa, nem positiva. Sentimento pode ser de afeto, de tristeza, de amor, de aversão. Não havia conotação pejorativa à priori que indicasse qualquer “perturbatio” para a razão. Ao contrário, podia mesmo servir de apoio para esta. “Pathos” para os gregos era algo suportado pela alma e a colocava em certa disposição, desta ou daquela maneira.


Somente no latim tardio e com os primeiros autores cristãos, “passio” começa a receber o sentido de submissão, principalmente submissão à injustiça. Com a ideia de submissão, o termo passa a ser sinônimo do verbo latino “suffrero”, que dá origem ao atual verbo “sofrer”.Com o caminhar da literatura cristã, paixão e sofrimento passaram a ser utilizadas largamente com o mesmo significado.


O sofrimento tornou-se, assim, a experiência quase insuportável de algo que infundadamente se tem de carregar, com todo peso amargo e desprazeroso que isso provoca. Nos tempos modernos e atuais, em que a felicidade é um consumir e usufruir constantes, o sofrimento é quase uma maldição execrável e abominável e, mais ainda, injustificável.


Um dos filósofos que mais destaca essa questão e para quem sofrimento é um tema central é Nietzsche. Para ele, o conceito de sofrimento é aquele que remete à lição dos gregos, ou seja, a consciência do viver, o percurso ou a disposição da alma, o peso da existência. Nietzsche destaca essa ideia de que a civilização moderna é excessivamente sensível ao sofrimento, e obcecada com seu alívio. Tendo como base a visão grega, Nietzsche aponta a “disciplina do sofrimento”, não como a dor cristã, mas como a força que suporta o peso da existência. Sofrer, para ele, é amparar o peso da existência e devolvê-lo de volta à vida em forma de experiência. Assim, sofrimento nada tem a ver com castigo ou imposição de dor.


Logo, o caminho da educação não estaria em aplicar-se métodos dolorosos, mas, ao contrário em criar mecanismos que demonstrassem que a vida deve ser experienciada. E isso somente é possível a partir dos sentidos. A educação é uma práxis que deve conduzir o aprendiz a perceber-se em seu modo de ser, em sua plenitude ontologicamente indeterminada, mas lançada num mundo. O aprendiz deve ser instado a compreender esse mundo, que é o dele. Para isso, não há necessidade de nenhuma imposição de dor. O caminho não implica em ser duramente castigado, mas antes em permitir-lhe o que lhe dá acesso ao peso da vida e à responsabilidade por sua leveza.



Artigo publicado originalmente no Estadão online 

(para ler no original, clique aqui)



13 de julho de 2020

Diálogos Forenses - livro






Manter a mente ativa é muito importante, diante de ainda estarmos enfrentando a pandemia da Covid-19 e a manutenção da quarentena. Para isso, a leitura é uma atividade relevante. 

No intuito de colaborar, com apoio da Dobradura Editorial, coloco à disposição meu livro Diálogos Forenses: minicontos do mundo jurídico), gratuitamente, no acesso do link abaixo.

Fruto de minha participação num projeto, o livro se compõe de contos que contém, cada um deles, até no máximo 50 letras, sem contar o título. Retratam experiências baseadas na realidade, que buscam evidenciar o trágico, o cômico e, muitas vezes, o absurdo de nosso cotidiano forense.

Com isso, espero trazer algum alento ao dia a dia e desejo que a leitura seja prazerosa!



Você será direcionado ao site do Instituto Ibaixe e lá poderá fazer o download.










22 de junho de 2020

COVID-19 - OMS - orientações atualizadas



covid19 folhainformativa 1000px shutterstock Corona Borealis Studio



Seguem algumas orientações, conforme site da OMS, atualizadas em 22 de junho, no formato de perguntas e respostas.





O que é COVID-19?
COVID-19 é a doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, denominado Sars-coV2.


Como as pessoas pegam o vírus?
As pessoas podem pegar o Sars-coV2 por meio de gotículas respiratórias de pessoas infectadas, quando:

    a) respirarem gotículas provenientes da fala, espirro ou tosse dessa pessoa (numa proximidade inferior a 1,5m);

    b) quando tocam os olhos, o nariz ou a boca, após tocarem objetos ou superfícies (mesas, maçanetas, corrimãos e botões de dispositivos eletrônicos) que contém tais gotículas infectadas.


Quais os meios básicos de prevenção?
- manter distanciamento superior a 1,5m das pessoas, sempre que possível;
- lavar constantemente as mãos com água e sabão (ou desinfetar com álcool, quando não for possível lavar);
- Evitar tocar o rosto quando estiver em local público.


O vírus pode ser transmitido pelo ar?
Estudos até o momento sugerem que o vírus é transmitido principalmente pelo contato com gotículas respiratórias – e não pelo ar.


É possível pegar COVID-19 de uma pessoa que não apresenta sintomas?
Sim, é possível pegar COVID-19 de alguém com tosse leve e que não se sente doente. Alguns relatórios indicaram que pessoas sem sintomas podem transmitir o vírus. Ainda não se sabe com que frequência isso acontece.


Como podemos proteger aos outros e a nós mesmos se não sabemos quem está infectado?
Praticar a higiene das mãos e respiratória é importante em TODOS os momentos e é a melhor maneira de proteger aos outros e a si mesmo. Sempre que possível, mantenha uma distância de pelo menos 1 metro entre você e os outros, principalmente se você estiver ao lado de alguém que tosse ou espirra. Como algumas pessoas infectadas podem não estar ainda apresentando sintomas ou os sintomas podem ser leves, manter uma distância física de todos é uma boa prática.


Quais são os sintomas de alguém infectado com COVID-19?
Os sintomas mais comuns da COVID-19 são febre, cansaço e tosse seca. Alguns pacientes podem apresentar dores, congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato, erupção cutânea na pele ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés. Esses sintomas geralmente são leves e começam gradualmente. Algumas pessoas são infectadas, mas apresentam apenas sintomas muito leves.


O que devo fazer se tiver sintomas de COVID-19 e quando devo procurar atendimento médico?
Se você tiver sintomas menores, como tosse leve ou febre leve, geralmente não há necessidade de procurar atendimento médico. Ficar em casa, fazer auto-isolamento (conforme as orientações das autoridades) e monitorar seus sintomas.

Se você mora em uma área com malária ou dengue, procure ajuda médica. Ao comparecer ao serviço de saúde, use uma máscara se possível, mantenha pelo menos 1,5 metro de distância de outras pessoas e não toque nas superfícies com as mãos. Se for uma criança que estiver doente, ajude-a a seguir esta orientação.

Se tiver dificuldade de respirar ou dor/pressão no peito, procure atendimento médico imediato. Se possível, ligue para o seu médico com antecedência, para que ele possa direcioná-lo para o centro de saúde adequado.



Site OMS-Brasil
(para saber mais, visite o site)


21 de maio de 2020

Coronavírus, número de mortos e economia


Publicado originalmente no Estadão online (para ler, clique aqui)


Foto de Coronavirus Covid19 Conceito De Impacto Econômico e mais ...
Coronavirus e quadro gráfico
(Imagem gerada por computador - IStock)




A pandemia provocada pelo coronavírus tem trazido questões delicadas à tona. A polêmica entre o isolamento social como medida de combate na tentativa de se reduzirem os mortos e a relação com a economia como possível “vítima” é uma delas.

Se a pandemia e o isolamento continuarem a impedir o mercado em sua caminhada, uma decorrente recessão poderia provocar uma crise muito mais grave que a doença, pensam alguns, afirmando que se trata de uma histeria provocada pela mídia, amparada em estatísticas exacerbadas de números de mortos.

Uma abordagem cautelosa exige que se fale desse número. No momento em que escrevo, o mundo superou o lastimável número de 300 mil mortos. No Brasil, calcula-se, sem muita precisão, quase 20 mil mortos. O que são esses números?

Em períodos recentes, nenhuma pandemia provocou tamanha comoção, porque nenhuma com menos de cem anos conseguiu evidenciar tamanho número de mortos. Mais destacado este número, ainda, em face do momento tecnológico que alcançamos. Nós vivemos na sociedade pós-tecnológica, chegamos ao DNA e podemos até mesmo recombiná-lo. Mas, estamos contando os mortos.

Meu pai morreu há quase vinte e cinco anos. O período era de réveillon e ele viajou já doente para sua cidade natal no interior de São Paulo. Foi hospitalizado ao chegar. Sem conseguir compreender bem a dinâmica do problema, o médico que o atendeu tentou uma intervenção. Infelizmente, não deu certo. Após alguns dias, fui procurado por outro médico, amigo da família. Foi ele quem me esclareceu qual problema havia acometido meu pai. Na medicina de vinte e cinco anos atrás, aquilo era uma especialidade, dentro de uma especialidade. Ele ainda me pediu que permitisse levar o caso para a sala de aula onde lecionava. A partir daí, meu pai passou a ser um “case study”. Para os alunos que o estudaram e os que o irão estudar, ele será um número dentro de um conjunto de estatísticas. Porém, é um número que poderá salvar vidas! Com isso, quero afirmar que os números de mortos que hoje contamos não são causa de pressão política, são vidas que se foram e que podem permitir salvar outras, a partir do conhecimento mais profundo dos gravames gerados pelo vírus e das causas de morte.

Há dois significados nessa contagem. Um, como acima dito, refere-se ao fato de que são pessoas que morreram, cuja vida foi ceifada por um micro-organismo. Vidas que foram sacrificadas para salvar a nós, que ainda vivemos. Cada morte, cada perda torna-se um “case”, que conta infinitamente para nos salvar. Por isto, essas mortes devem ser reverenciadas. Jamais simplesmente contadas.

O outro significado é que a morte, provocada por um infinitesimalmente pequeno micro-organismo, neste momento da sociedade pós-tecnológica, ainda atinge a todos. O vírus destruiu a relação de classes e reduziu parcialmente a desigualdade, por um lado e a evidenciou enormemente, por outro. Reduziu a desigualdade porque colocou a todos no mesmo plano de possíveis vítimas de um organismo tão pequeno. De outro ponto, deixou clara a absoluta falta de estrutura para atender pessoas em sua dimensão social mais delicada: a saúde. Sabe-se fartamente que saúde é um dos direitos e uma das prerrogativas básicas mais importantes de qualquer cidadão. Mas aqui, saúde é um conceito teórico distante da realidade. Não é um negócio público a ser administrado, mas um órgão político a ser simplesmente ocupado ou preenchido. Saúde é cumprir protocolos burocráticos e não buscar estratégias para manter a higidez da sociedade.

Tornou-se evidente ainda que o Mercado, a divindade do século 21, não pode nos salvar. E a economia, sempre idolatrada como mecanismo de sustentação social e de busca de equilíbrio da desigualdade, se revelou como o confrontante que sempre foi. Mas ela também nada pode fazer por nós.

Heidegger, um dos mais importantes filósofos do século 20, apresentava o conceito de “mundo” como todo o conjunto de forças que nos dão o sentido de normalidade e “impessoal”, como a modalidade de vivência que vive dentro da normalidade do mundo. A morte, para ele, seria um evento que provocaria uma disposição afetiva em que cada um de nós se atentaria para a “anormalidade” do mundo e, portanto, nos colocaria numa modalidade “pessoal” de existência.

Para esse pensador alemão, a percepção da morte produziria um certo estado de angústia, uma disposição do indivíduo que o faria apropriar-se de sua finitude. Diante disto, ele teria a possibilidade revelar a si mesmo o sentido velado do mundo, vale dizer, o sentido de todas as forças e vetores que impulsionam nossa existência.

O vírus, hoje para nós, coloca-nos todos diante da mesma situação, de revelar anormalidade do mundo. Enquanto as coisas permaneceram como sempre foram, tarefa antes bem desempenhada pelo Mercado e pela economia, o normal se fazia presente. O vírus aponta que o normal nunca existiu, mas que nós nele apenas acreditamos. Agora, ele, com seu número de mortos, nos impõe construir um novo normal.




Museu do TJ-SP - visita virtual

Criado em 1995, o Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo, tem por principal objetivo preservar e divulgar conteúdos relacionados à vida e tradições do Poder Judiciário Paulista.  Agora é possível fazer um tour virtual. Vale a pena uma visita!

Palacete Conde de Sarzedas - sede do Museu (divulgação)

O Museu teve inicialmente suas dependências localizadas junto ao Plenário do Tribunal do Júri - 2º andar do Palácio da Justiça, contando com uma sala de exposição permanente.

Em meados de 1999, o museu passou a contar com duas salas de exposições permanentes e a utilização do Plenário do Tribunal do Júri, desativado desde 1987, onde alunos de direito eram recepcionados com visitas monitoradas.

Atualmente, o Museu do Tribunal de Justiça encontra-se instalado no Palacete 'Conde de Sarzedas', edifício construído no final do século XIX, restaurado e tombado pelo Conpresp, que guarda em sua estrutura e decoração lembranças da São Paulo antiga.

O objetivo do museu, além de servir de espaço cultural e realizar exposições temporárias, é preservar para as novas gerações a história e os objetos ligados à evolução do poder judiciário paulista, sem esquecer os eminentes vultos do passado que marcaram época desde a implantação do 'Tribunal da Relação', em fevereiro de 1874, na então Província de São Paulo.

O museu realiza exposições temporárias, no “Salão dos Passos Perdidos”, um dos mais belos ambientes arquitetônicos do Palácio da Justiça, edifício imponente localizado na Praça da Sé.



Para iniciar a visita, clique aqui




 

1 de maio de 2020

A nomeação do diretor-geral da PF, a decisão do STF e o recuo de Bolsonaro

Liminar que suspendeu nomeação gerou polêmica. Aqui, uma análise a partir da Teoria Geral do Direito.

Harmonia e independência entre os Poderes

Nesta quarta, 29, o presidente da República (PR), Jair Bolsonaro, recuou da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção geral da Polícia Federal (PF). A decisão de tornar sem efeito a referida nomeação já foi publicada no Diário Oficial e foi tomada após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, suspender a troca de comando da PF em decisão liminar.
Assessores do PR, segundo divulgado pela mídia, demonstraram que poderia haver uma possível derrota no STF. Agora, busca-se um novo nome para a instituição.
Com relação à decisão do STF, circulou o argumento de que a interferência judicial seria indevida em face do princípio da separação de poderes. Há, porém, diversos argumentos sólidos em contrário!
Para se permanecer apenas na esfera constitucional, todas as ações do PR, mesmo as decorrentes de suas prerrogativas, devem ser pautadas pelo princípio da moralidade, para citar apenas um.Há fortes suspeitas de que a nomeação especifica não o foi.
Neste caso, há fundamento, por força do princípio mencionado, a justificar a intervenção.O sistema republicano não precisaria aguardar que a referida suspeita se efetivasse e se tornasse concreta, por causa dos evidentes graves riscos, não só a uma instituição, mas a todo o sistema.
É o ato do PR em si que está em jogo, por conta de não estar clara a sua base de moralidade exigida pela Constituição.Assim, ao contrário do argumento de descumprimento da carta magna, o STF age em favor do sistema republicano e dentro do que se espera do Poder Judiciário.
Outros argumentos
Há, ainda, argumentos na esfera do direito administrativo, como, por exemplo, quanto à independência institucional da Polícia Federal, questão também de caráter político e do desvio de finalidade do ato, como ressaltado na decisão, questão conceitual da própria sustentação jurídica do ato como tal.
Ainda, em termos jurisprudenciais, pode-se recordar de que o STF tomou decisões semelhantes em nomeações ocorridas em governos anteriores, não se podendo falar, portanto, da inexistência de precedentes.
Além disto, há o risco social da nomeação de alguém que comande uma instituição de investigação criminal e que supostamente esteja a atender os interesses diretos de um governante. A história fartamente demonstrou que, hoje, a instituição investigará os inimigos públicos, amanhã, os inimigos do governante e, depois de amanhã, qualquer cidadão.
Não podemos mais esperar a concretização do risco, para somente depois lutarmos contra ele.


Artigo publicado originalmente no Estadão online (para ler, clique aqui)

21 de abril de 2020

Coronavoucher: algumas reflexões sobre o tempo, a prescrição e a decadência

Por João Ibaixe Jr.
Artigo publicado originalmente no ESTADÃO online 

No dia 2 de abril último, durante a crise provocada pelo chamado coronavírus e a respectiva enfermidade por ele gerada, a covid-19, foi sancionada a Lei nº 13.982/2020, a qual, em complementação à Lei nº 8742/93, criou um outro benefício de prestação continuada (BPC), que recebeu o apelido de “coronavoucher”.
O apelido, que pegou na mídia, tem boa sonoridade, mas não representa claramente a natureza do benefício que, em princípio, não é um “voucher”, porque não tem nenhuma relação com título de crédito, gênero ao qual pertence o voucher. Discutível é também sua colocação como benefício continuado, dada sua natureza emergencial, portanto, de ordem eventual, vale dizer, a de existir enquanto perdurar a crise, em três únicas prestações.
O objetivo do presente texto, porém, é tratar de um tema secundário ao assunto, que é a questão da prescrição e/ou decadência do instituto. Secundária, diz-se em termos, porque importa bastante saber-se sobre a relação de tempo envolvida no instituto, principalmente a de se perguntar por quanto tempo perdurará o benefício ou o direito a recebê-lo após o encerramento da crise do coronavírus.
Como já muito afirmado, prescrição e decadência são institutos que têm sua origem no direito privado e neste encontram sua principal fonte de debates.
Enquanto era vigente o Código Civil de 1916, as discussões se faziam acaloradas porque naquele momento não haviam chegado duas noções importantes, a de direitos difusos e a de interdisciplinaridade. Hoje, mormente com esta última, é comum ver discussões de institutos originários de certos campos de saber serem abordadas por outros. Além disto, com os direitos difusos, perdeu-se um pouco a força das distinções de classes dos chamados direitos subjetivos, principalmente aquela referente a direitos prestacionais e direitos potestativos. Hoje, há uma grande discussão sobre direitos coletivos que obscurece um pouco a dos direitos meramente subjetivos.
A situação se torna mais nebulosa porque, com o Código Civil de 2002, tanto a prescrição quanto a decadência perderam um pouco do vigor – e até de certo glamour que possuíam –, sendo objeto de mera orientação dispositiva. Pode-se dizer que a pragmática do cotidiano forense, reforçada por um excesso de produção legislativa, obscureceu um pouco a discussão científica em torno da relação tempo e exercício de direitos. Em sua maioria atualmente, quase tudo se enquadra em prescrição nos campos do direito civil e processual, restando a discussão mais fortemente acentuada ainda no espaço do direito tributário.
Assim, grosso modo, permanece a clássica distinção para a qual a prescrição remete ao fim temporal do direito de ação e a decadência, ao direito material em si mesmo. Transportando isso ao campo do direito previdenciário, a prescrição deveria referir-se a ações, administrativas ou judiciais, enquanto os direitos do segurado (como contribuinte ou beneficiário) se submeteriam à decadência.
A prática legislativa previdenciária, todavia, parece desenhar uma linha tênue entre os institutos. A exemplo, veja-se o confronto entre o “caput” do artigo 103 e seu parágrafo único, da Lei nº 8213/91. No “caput” se fala em decadência “do direito e da ação” e no parágrafo único se fala em prescrição quinquenal de ações. A diferença é dada pela natureza das ações envolvidas, mas, pelo critério clássico, tal distinção não seria a mais adequada. Pela doutrina previdenciarista majoritária, a prescrição ocorre em 5 anos e a decadência em 10.Já pelo Código Civil, em termos gerais, de acordo com o art. 205, não havendo regra específica, a prescrição ocorrerá em 10 anos, enquanto a decadência vem explicitada dentro de certos institutos.
Ao que parece, se a regra clássica fosse válida no direito previdenciário, o segurado poderia manifestar-se acerca de ser titular de um benefício em até 10 anos. Assim, a título de exemplo, seguindo a distinção clássica, se o mesmo segurado tivesse reunido todas as condições para requerer sua aposentadoria, ele teria o direito a aposentação, direito material de tornar-se aposentado e deveria exercê-lo em até em 10 anos; em não o fazendo, perderia tal direito material. Ainda na regra clássica, se ele tivesse obtido a aposentadoria – portanto, já titular do direito e desfrutando dele –, mas tivesse qualquer problema com o benefício e tivesse que fazer qualquer reclamação, seu prazo seria de 5 anos. A leitura do art. 103 – bem como a jurisprudência e a doutrina – afirma o contrário. Em resumo, em previdenciário, fala-se, de acordo com a abordagem clássica, somente em prescrição, porque todo o tempo se está a falar de um procedimento que garante um direito e não do próprio direito em si.
Há no direito previdenciário uma outra questão que precisa ser levantada. A da natureza da prestação recebida pelo beneficiário. Esta, por unanimidade de doutrina e jurisprudência, é considerada alimentar e, portanto, imprescritível.
Logo, por mais este motivo, não existe decadência em direito previdenciário, uma vez que o direito em si, por sua particularidade conceitual, é alimentar e, pois, não sofre de caducidade com a passagem do tempo.
E na questão do coronavoucher, como ficam as coisas? Ele sofre de decadência? O prazo para requerê-lo é de 5 ou 10 anos? Ou ele é imprescritível?
Uma tentativa de responder à pergunta a partir de uma visão da teoria geral do direito, é tentar-se reconstituir o que se convencionou chamar-se de “natureza jurídica” do instituto. Primeiramente, como visto acima, algumas circunstâncias modificaram a forma de abordagem dos direitos subjetivos. Assim, falar-se de natureza jurídica hoje não é mais relacionar conceitualmente um instituto ao feixe de normas ao qual ele eventualmente pertenceria, mas verificar a sua realidade efetiva enquanto mecanismo de garantia de certa situação no espaço sociojurídico.
Assim, a primeira pergunta que se deve fazer é: o coronavoucher nasce como um benefício permanente ou temporário? Aqui a resposta parece óbvia no sentido de ser temporário como um mecanismo de resguardo alimentar de pessoas em situação de hipossuficiência durante a permanência da crise da covid-19. Uma vez controlada a crise, a critério de elementos dados por políticas de saúde pública, este benefício deve ser encerrado. Portanto, sua vigência é a mesma do tempo da crise.
Uma vez encerrada a crise, duas questões surgem: 1) quanto tempo, numa eventualidade de sua prorrogação, o benefício deveria continuar a ser pago; 2) por quanto tempo mais poderia ser requerido.
Ambas as questões recaem numa problemática que não é apenas técnico-jurídica, mas econômico-política e sociocultural. Num país com o grau de desigualdade como o nosso, por quanto tempo aquele cidadão em posição de hipossuficiência necessitaria de auxílio governamental para se recuperar da crise?
Obviamente, embora o ideal fosse a solidariedade com o cidadão em tal posição desigual, tanto a política econômica quanto a cultura social brasileiras não têm histórico de eleger o referido sentimento à princípio de governança ou de condução de políticas públicas.
Sendo assim, o direito teria de normatizar a questão e deixar clara a duração do benefício para que o cidadão hipossuficiente não venha a ser pego de surpresa com o encerramento deste ou de seu prazo de requerimento.
Diante do quadro já presente no direito em relação à prescrição e decadência, tratando-se de um benefício que, embora continuado, não perdura ad infinitum, o mais justo é que ele seja pago por um certo prazo, numa eventual prorrogação, ao final da crise e possa ser pleiteado, por quem dele o necessitava, também por um certo prazo após o final desta.
Examinando-se os prazos presentes na legislação brasileira, aquele que se refere a prestações alimentares, no Código Civil, art. 206, § 2º, fala em 2 anos.
Considerando-se termos econômicos e políticos, além da natureza alimentar inerente ao coronavoucher, o prazo citado parece ser o mais razoável, tanto para perdurar a prestação após o encerramento da crise, em eventual prorrogação, quanto para se pleitear o benefício por quem não o fez durante ela, mas dele ainda necessita. Neste último caso, por óbvio, devem ser demonstradas as condições que impediram o exercício do direito.
Certamente esta não é uma leitura estrita do direito previdenciário, mas, como se afirmou acima, hoje o direito não pode ser tratado como gavetas estanques que não se comunicam. E, principalmente, não pode estar distanciado de uma realidade que o cria e na qual irá se efetivar.



Autorizada citação desde que referenciada a fonte.
Para citar o artigo:
IBAIXE JR, João. Coronavoucher: algumas reflexões sobre o tempo, a prescrição e a decadência. In: Estadão online. Publicado em 20.04.2020. Sítio: https://bit.ly/IBAIXE_Coronavoucher-algumas-reflexoes-sobre-tempo-prescricao-decadencia(acrescentar data de acesso).


10 de abril de 2020

Sexta-Feira Santa: um ensaio sob perspectiva fenomenológica

Qual um sentido possível hoje para se rememorar a crucificação de Cristo ?


Cristo Crucificado - Salvador Dali


A Sexta da Paixão é a data que relembra e indica o percurso imposto a Jesus, precedido pela flagelação, em que carrega a cruz com a qual seria crucificado no Monte Calvário. Paixão, neste contexto, significa sofrimento e a Sexta-feira  Santa seria, assim, um dia de luto e comoção.

Paixão em seu significado comum quer dizer um conjunto de sentimentos que se opõem à razão e é um termo que vem do latim arcaico "passio”. 

“Passio” era um termo importante para a escola estoica do século III a.C., porque traduzia a ideia de “perturbatio”, ou seja, tudo aquilo que perturbava a alma do filósofo, que deveria ser “impassibilis”, vale dizer, deveria manter-se livre de qualquer perturbação ou inquietação, para fazer uso da tranquilidade da razão. Desta noção deriva-se o significado hoje atribuído comumente ao termo paixão.

Todavia, “passio” deriva da expressão grega “pathos”. Para os gregos, não havia nenhuma conotação pejorativa para o termo. Não era nenhuma perturbação ou inquietação, mas indicava a ideia de disposição da alma, que hoje pode ser traduzida por sentimento, entendida como uma disposição emocional complexa, a princípio, nem negativa, nem positiva. Sentimento pode ser de afeto, de tristeza, de amor, de aversão. Não havia conotação pejorativa à priori que indicasse qualquer “perturbatio” para a razão. Ao contrário, podia mesmo servir de apoio para esta. “Pathos” para os gregos era algo suportado pela alma e a colocava em certa disposição, desta ou daquela maneira, dependendo de como era dado esse algo.

Somente no latim tardio e com os primeiros autores cristãos, “passio” começa a receber o sentido de submissão, principalmente submissão à injustiça. Com a ideia de submissão, o termo passa a ser sinônimo do verbo latino “suffrero”, que dá origem ao atual verbo “sofrer”. 

Com o caminhar da literatura cristã, paixão e sofrimento passaram a ser utilizadas largamente com o mesmo significado. Para os autores cristãos, porém, sofrimento era um mergulho apaixonado e fervoroso na direção da Graça divina.

O advento das chamadas escolas literárias após o renascimento, principalmente o Barroco e o Romantismo, conformaram a ideia de sofrimento à sua conotação negativa de padecimento, como um suportar de dores, injúrias e injustiças.

O sofrimento tornou-se, assim, a experiência quase insuportável de algo que infundadamente se tem de carregar, com todo peso amargo e desprazeroso que isso provoca. Nos tempos modernos e atuais, em que a felicidade é um consumir e usufruir constantes, o sofrimento é quase uma maldição execrável e abominável e, mais ainda, injustificável.

Por conta disto, principalmente hoje, somos inclinados a ver na Paixão de Cristo um dia de mortificação, no qual o enlutar-se é a conduta mais adequada e o entristecer-se o sentimento mais eloquente.

O exame acima mostra o contrário. O sofrimento de Cristo busca indicar um encontro. Um encontro da paixão como resgate daquela disposição da alma que nos leva ao sentido máximo de nossa existência. O sentido da existência de Cristo se deu na morte, porque com ela foi revelada sua natureza divina, seguida da ressurreição.

O sentido de nosso viver não é dado com a morte. Esta pode nos revelar o momento da nossa finitude. E essa angústia do fim pode vir a apontar para o real sentido da nossa existência. Aqui também reside o exemplo da Crucificação de Cristo.

Apartado do luto, o significado da Paixão pode ser pensado como uma reflexão sobre o sentido de nosso existir. A morte de Cristo foi sua finitude, mas foi também a plenitude de realização de seu existir, como promessa anteriormente dada. Na morte, ele se efetivou como ser que era possível ser.

Na morte, não efetivamos nosso existir. Ao contrário, é no existir que efetivamos nosso ser a cada possibilidade que se nos abre e é realizada. Na existência realizamos nosso poder-ser.

A Paixão de Cristo não é um dia para o luto, mas uma oportunidade de refletir e nos lançarmos perguntas.

Qual a plenitude de meu existir? Quais as possibilidades de minha existência? Consigo vislumbrar aquilo que posso ser? Minha disposição de alma, meu “pathos”, é a que me permite encontrar-me com meu poder-ser?

Que a Sexta-Feira Santa nos permita essas reflexões!





4 de abril de 2020

Epidemia e crise da sociedade humana

O coronavírus revela o conflito entre a sociedade civil e a sociedade política

por Antonino Infranca

Mulher usando máscara passa em frente ao Domo, em Milão (Foto:Yara Nardi/Reuters)

O artigo de Badiou me convenceu a sair da reserva na qual outsiders devem se relegar. Saí porque estava esperando alguma ideia original, digna do mestre que é Badiou, mas essa ideia não veio. Os outros que, antes e melhor do que eu, participaram do debate, destacaram os limites e a superficialidade do artigo de Badiou; e, não querendo passar por quem atira na Cruz Vermelha, prometo a mim mesmo não fazer mais nenhuma menção à sugestão do artigo de Badiou, sugestão que eu esperava receber.

Mario Reale foi muito incisivo ao lembrar que, afinal, Badiou falava apenas da França. Para muitos outros intelectuais franceses, falar sobre a França já é falar sobre o mundo. Ainda mais incisiva é a sugestão de Reale sobre o Ocidente. Afinal, a epidemia de Covid-19 se tornou tópica quando atingiu o Ocidente, primeiro a Itália e depois, lentamente, todos os outros países do Ocidente, no centro do mundo, foram afetados. Enquanto era um negócio em uma província chinesa, com seus mercados imundos e práticas alimentares não civilizadas - como Badiou disse - não importava, era periférico.

Precisamente essa consideração permitiu a propagação global do vírus, porque se é verdade que houve epidemias importantes no passado próximo, nenhuma atingiu a disseminação do coronavírus. Vittorio Giacopini mencionou com razão a gripe espanhola, mas se pode acrescentar a gripe asiática, após a Segunda Guerra Mundial e, no passado distante, remontar às epidemias de peste de 1348 e 1630. Mas o que é agora desconcertante é o fato de que, diante do óbvio caráter global da epidemia, as respostas são apenas nacionais, apesar de a Organização Mundial da Saúde tentar de todas as maneiras deixar claro a que todos os estados devem reagir. Mas a OMS é uma agência das Nações Unidas e é tratada como a ONU, o que significa que ninguém a ouve.

A resposta à epidemia de Covid-19 permaneceu nas mãos dos estados-nação e, dado o estado de emergência, as decisões estão concentradas nas mãos dos chefes de estado e de alguns outros formuladores de políticas. Aqui surgiu o lado sombrio do capitalismo de hoje e de seus líderes políticos. Os líderes mais representativos de grandes nações, como Johnson na Grã-Bretanha ou Bolsonaro no Brasil e o líder do estado mais poderoso do mundo, Trump, nos EUA não ocultaram sua concepção social e política: a epidemia não é um assunto importante, vem de uma periferia miserável, afeta os mais fracos, os idosos, não pode afetar grandes estados como o nosso. Essa é uma concepção eugênica da política, porque considera supérfluos os outros, os fracos, os excluídos ou as vítimas. Não se trata de ignorar o problema, como fizeram todos os líderes das nações afetadas, começando com Xi Jinping, é uma declaração de vontade de poder! Quem se permite expressar esse tipo de ideia se sente tão poderoso que pode dizer que as vítimas são supérfluas. Trinta anos atrás, essas declarações provavelmente teriam suscitado uma onda de indignação que teria engolido esses declarantes; hoje, no máximo, elas são consideradas declarações bizarras. A verdade é quem fez tais declarações, sabe que pode fazê-lo e que parte da opinião pública de seu país estará com ele, como está acontecendo no Brasil. Mas o Brasil não é a França e, logo, não faz notícia.

Giacopini lembrou algumas das vítimas do coronavírus: trabalhadores informais. Mas estas já foram vítimas do capitalismo do século XXI! Existem novas vítimas: os idosos. Antes da epidemia, os idosos eram um pilar das economias em dificuldades e carentes; como a nossa e a deles são vítimas, certamente haverá consequências profundas. Não quero fazer previsões, pois assim evito em incidir em erro, mas milhares de idosos, numa economia italiana asfixiada, sofrerão certamente consequências. Quantas famílias viviam com importante apoio financeiro deles. É claro que também não me esqueço dos danos humanos e espirituais que a morte provocará, mas este é normalmente suportado no ambiente fechado das famílias e no círculo dos amigos próximos.

Os governos, sob pressão dos empresários, estão tomando cuidado para não parar indústrias, não parar a produção, não importando o destino dos trabalhadores, pois este já não importava antes da epidemia. Nem mesmo o pensamento de que uma força de trabalho, dizimada por uma epidemia, é uma grande perda econômica para uma sociedade civil, gera dúvidas na classe política quanto à sua decisão de continuar se concentrando na produção. Hoje, a força de trabalho é tão pouco qualificada que é sempre possível substituí-la. Esta é a confirmação de que a economia supera a vida humana.

O confinamento da sociedade civil, o lockdown, é aceito quase por unanimidade pela sociedade civil, porque é o único remédio possível no momento. Mas uma grande minoria não o respeita. Na Itália, há mais relatos de desrespeito ao confinamento do que infectados, portanto, mais imbecis do que doentes. Na realidade, esses imbecis são os rebeldes – aqueles que simpatizam com Hobsbawm – aqueles que estão minando o consenso social e, com isso, o papel do Estado. Nos subúrbios italianos, isto é, em Palermo e Nápoles, estão ocorrendo episódios de rebelião, porque a fome começa a assediar as famílias confinadas sem recursos econômicos. E nessas áreas, se o Estado não intervém, as organizações criminosas intervêm. A vida humana se vinga da economia. O Estado não tem outros meios para lidar com essas revoltas senão a repressão, ou para atender às demandas de classes mais altas da sociedade civil, comprometendo seu orçamento e com ele seu papel dentro da União Europeia, que permanece em sua figura de Estado-nação e que não deseja dar um salto qualitativo em direção a uma verdadeira federação europeia.

Um capitalismo baseado na produção e no consumismo não pode aguentar muito sem o consumo. Observa-se que o capitalismo financeiro, o auge do capitalismo atual, sente a crise e começa a ficar confuso. Agora é a hora de investir em algo sólido e, se a crise continuar, em breve revelará quais coisas comprar, isto é, aqueles bens de consumo que estarão disponíveis para a sociedade civil a preços reduzidos, porque nesse meio tempo seus proprietários serão arruinados pelo confinamento. Enquanto isso, porém, a crise está em andamento e o futuro é incerto. A sociedade civil está confinada e a sociedade política está desaparecida. Quando a desconfiança da sociedade civil se torna aparente, com seus tumultos cada vez mais frequentes, isso demonstra à evidência sua desconfiança na sociedade política. São duas respostas complementares: desconfiança de ambos os lados na sociedade humana. Como isso vai acabar? Não quero me equivocar e, por isso, não faço previsões. Espero talvez o que Badiou chamou, sem explicar, de o "terceiro comunismo".



Publicado originalmente em Filosofia in movimento (01/4/2020)
(para ler no original, clique aqui)

Trad. João Ibaixe Jr.





Antonino Infranca
Philosophical Doctor (Ph. D.) pela Accademia Ungherese delle Scienze e dottorato in Filosofia pela Università di Buenos Aires. È autor de Giovanni Gentile e la cultura siciliana; di Tecnecrate. Dialogo; L’Altro Occidente. Sette saggi sulla realtà della Filosofia della Liberazione; Lavoro, Individuo, Storia. Il concetto di lavoro in Lukács (Trabalho, Indivíduo, História: o conceito de trabalho em Lukács, Ed. Boitempo); I filosofi e le donne (Os filósofos e as mulheres, Ed. Dobradura).