Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

28 de fevereiro de 2014

Obra faz radiografia profunda do PCC

Publicado originalmente em Última Instância
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Quem já não ouviu falar do PCC? Creio que a grande maioria dos leitores já se deparou com uma ou outra notícia a respeito dessa facção criminosa. Muitos sabem que ele colabora no vertiginoso aumento das rebeliões, no elevado número de assassinatos, fugas e resgates de presos. Todavia, ao ser perguntado sobre o significado dela, poucos sabem explicá-la, em muitos casos, nem sequer conseguindo identificar o conteúdo da respectiva sigla.

Para entender sobre o PCC, seu nascimento, sua forma de organização, seus meios de operação, a Editora Saraiva lança “PCC: hegemonia das prisões e monopólio da violência”, de Camila Caldeira Nunes Dias.

A obra é um estudo cuidadoso, que inclui trabalho de campo da autora, para indicar em que momento surge o PCC e quais fatores permitiram sua gênese, passando pelas questões de superlotação, a mistura de presos praticantes de delitos diversos, os mecanismos econômicos ilícitos, enfim, as transformações na dinâmica criminal, as quais não foram acompanhadas pela política penitenciária e que contribuíram para sua expansão.

São apresentadas as etapas cronológicas do processo, desde a formação até sua configuração atual já consolidada, dividindo-se os estudos em períodos, a saber: de 1993 a 2001, o longo processo de gestação, crescimento e ação simbólica; de 2001 a 2006, após a consolidação, os caminhos da publicização, incluindo o momento da crise mais aguda em maio de 2006; e, finalmente, de 2006 para os tempos atuais, em que a facção trabalha com a contínua reorganização de sua estrutura, a fim de manter-se viva.

A autora demonstra que esse processo foi construído a partir do emprego da violência, num crescendo, até o momento em que, consolidado e disseminado, o PCC criou um modelo de organização que a própria mídia acabou por denominar de “tribunais”, posto que as questões eram levadas para instâncias internas e resolvidas mediante acordos ou decisões votadas por um grupo privilegiado. Neste momento, o emprego de ações violentas torna-se mitigado, mas o cumprimento das determinações passa a ser mais efetivo.

Não pense o leitor que o livro é um percurso meramente cronológico. Bem ao contrário, há sólida massa de sustentação teórica, fundadas em estudos atuais de importantes sociólogos nacionais e estrangeiros, como, por exemplo, Sérgio Adorno e Norbert Elias, deste último sendo empregado o conceito de figuração social, para embasar o processo histórico e socioeconômico que teria permitido o desenvolvimento da facção.

A obra é muito relevante para quem pretende aprofundar-se nos estudos penais e está cansado daquele pobre exame da suposta dialética entre direitos do preso versus direitos da sociedade, sendo de fácil leitura, embora exija cuidados em sua aproximação.

A autora é mestre e doutora em Sociologia, graduada em Ciências Sociais e professora da Universidade Federal do ABC, além de integrar o Núcleo de Estudos de Violência da USP.




PCC: hegemonia das prisões e monopólio da violência

Autor: Camila Caldeira Nunes Dias
Editora: Saraiva
Quanto: R$ 125,10
Compre na Livraria Última Instância por R$ 118,85

Sobre a Lei Anticorrupção

Publicado originalmente no Blog do Jornal Tribuna do Direito
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Chamada de “pacote anticorrupção” ou “lei anticorrupção”, a Lei nº 12.846/2013, que entrou em vigor em janeiro do presente ano de 2014, compõe segundo alguns um arsenal legislativo para tratar da responsabilidade dos agentes públicos, sendo acompanhada pela lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), lei da transparência (Lei Complementar nº 131/2009) e lei de acesso à informação (Lei nº 12.527/2011).

O governo a divulgou como um grande avanço, pois possibilitaria lutar-se contra também aqueles que promovem a corrupção, ou seja, os agentes corruptores, adotando-se a chamada responsabilidade objetiva, a qual permite a punição do infrator sem necessidade de constatação do elemento subjetivo, vale dizer, sem dolo ou culpa.

Num primeiro esclarecimento, isto somente vale para o aspecto cível da questão, pois, no direito penal, não pode haver responsabilidade sem culpabilidade, ou seja, sem o necessário exame da intenção do agente.

Dito isto, a lei não me parece que atenderá às necessidades para que se presta, posto que a corrupção é fenômeno complexo, de caráter cultural e que precisaria ser combatida da mesma forma e não com uma simples norma.

Trata-se de outra falácia, mascarada de atitude, aprovada rapidamente para atender à urgência de manifestações contra corrupção ocorridas em junho do ano passado. Como agora estas viraram história, provavelmente com essa norma ocorrerá o mesmo.

Com efeito, na lei e na prática nenhuma medida criminal foi adotada ou definida. Organizou-se apenas um conjunto de medidas de caráter administrativo, envolvendo empresas. Isto porque, de acordo com a mentalidade governamental, o empresário é o criminoso que substitui o mordomo nos crimes que envolvem administração pública.

Talvez a única função efetiva da lei seja a de importar a ideia do “Compliance”, que significa “observância”, isto é, um conjunto de medidas que uma empresa deve adotar para fazer serem observadas as regras éticas e de legalidade de atos por ela praticados. Ou seja, um mecanismo para obrigar a cumprir a lei, instituto no Estado Democrático de Direito que, por si só, já deveria obrigar a todos. Em resumo, "compliance" é um meio para se cumprir a obrigatoriedade da lei, cuja essência é a de ser obrigatória! Sei que estou me expondo a críticas por dizer isto, mas, da perspectiva penal, as coisas ficam na mesma. De nada adianta a responsabilidade da empresa ser objetiva, pois o agente fraudador, que pode ter praticado diretamente o ilícito, juntamente com o político corrupto, não será punido criminalmente.

O problema é não haver lei específica – diga-se bem trabalhada e redigida – para tratar dessa figura criminosa, nem um modelo de investigação apropriado para se saber quem e como tais condutas são praticadas. Por isto, a crítica dos diretores jurídicos de empresas que não conseguem investigar e punir seus funcionários que praticam ilegalidades conluiados com agentes políticos corruptos.

No fim, quem sofre é o cidadão, que vê seus sonhos destruídos e suas perspectivas existenciais destruídas pela forma criminosa da ainda incompreendida e mal estudada corrupção.



19 de fevereiro de 2014

Você não sabe, mas já adotou um presidiário



Publicado originalmente no Blog do Jornal Tribuna do Direito
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Para acabar com a superlotação dos presídios e com o deficit de vagas do sistema prisional – esse modelo falido já denunciado nesta edição de fevereiro de 2014 do Jornal Tribuna do Direito – , o Estado de São Paulo precisaria construir hoje 93 penitenciárias, cada uma delas com 768 vagas.

O custo? Esse não é problema. Nada que cerca de R$ 3,5 bilhões não resolva. É isso mesmo, caro leitor. Ou seja, uma vaga num presídio custa em média pouco mais de R$ 45 mil. Levando-se em conta que uma casa popular custa em média R$ 80 mil, cada preso irá morar em meia casa popular. E pagos por nós.

Aliás, o custo de um preso é cerca de R$ 2.000,00 mensais. A população carcerária em SP é superior a de 300 mil encarcerados. O gasto, portanto, é de mais ou menos 600 milhões de reais aos cofres públicos paulistas, para manutenção mensal do preso. Esse custo tem de ser arcado, não pelos cerca de 40 milhões de habitantes do Estado, mas pela população economicamente ativa, da ordem de 25%, equivalente a quase 12 milhões de pessoas.

Como o salário mínimo equivale a R$ 690,00, cada trabalhador paulista investe quase 8% de seus ganhos com um preso, isto é, ele agrega um preso a seu lar e lhe dá quase dez por cento de seus vencimentos. Os dados acima foram calculados com base em estatísticas do Depen e do Seade, nos respectivos sites.

Leia novamente: você dá praticamente dez por cento de seus ganhos a um preso do sistema carcerário! Ou seja, você, no modelo atual, adotou um preso!

Esses cálculos apontam para a imbecilidade de um mecanismo que faz o trabalhador gastar com o que não quer, sem ter nada em troca e, ao contrário, auxiliar a investir em um sistema falido, que serve apenas para formar criminosos. O trabalhador investe, enfim, na “formação” do criminoso que irá assaltá-lo ou matá-lo. Não é um investimento fantástico? E agora, se houver construção de novos presídios, o custo será maior!

Não seria melhor pensar em alternativas mais viáveis e racionais do que construir cadeias? Que tal programas de combate à criminalidade, como mutirões, ações e estratégias de segurança e judiciárias? Que tal um sistema penal que privilegiasse uma punição exemplar (requerida por todos), mas que utilizasse meios alternativos sérios?

Não se ouve falar em mudança do sistema como um todo, mudança de mentalidade no combate ao crime, isso não. São sempre atitudes pontuais, enfeitadas com maquiagem de supostas ações articuladas. A integração de esforços entre governos federal, estaduais e municipais é sempre meta mencionada à distância, apesar de se atribuir à desarticulação institucional grande parte dos problemas de segurança pública.

De nada vai adiantar, aumentar o tamanho físico do sistema com outras construções de prédios, se a estrutura ideológica permanecer a mesma. O problema da superlotação não está na falta de vagas propriamente, está na mentalidade que comanda o funcionamento do sistema. É essa que deveria ser melhorada. Anunciar aplicação de verbas num sistema falido é contra qualquer orientação econômica.

Não é isso que a sociedade necessita. Precisa-se de políticas adequadas ao enfrentamento real da questão. Sem isso, talvez seja melhor economizar esses bilhões e gastá-los na construção de escolas, os frutos serão certamente mais produtivos.

Mas, vamos à construção de mais presídios! Afinal, a sociedade precisa de criminosos bem formados. E, você, leitor, de quem é retirado 10% de seus ganhos para o sustento de um preso, já escolheu qual deles irá adotar?

14 de fevereiro de 2014

A Política dos Juristas

Volto com minha coluna no Última Instância, agora falando sempre sobre livros. Em "A política dos juristas", temos um exame de Weber, Kelsen e Schmitt, a respeito da articulação entre política e direito.

Leia mais aqui


Foto: Como as constituições lidam com a complexidade das relações ocorrentes nas sociedades modernas? Para responder a esta pergunta, Carlos Miguel Herrera nos apresenta “A política dos juristas”, da Alameda Editorial. Leia a resenha do livro, feita por João Ibaixe Jr: http://bit.ly/NM6hOp
A Política dos Juristas
Carlos Miguel Herrera


Como as constituições lidam com a complexidade das relações ocorrentes nas sociedades modernas? Para responder a esta pergunta, Carlos Miguel Herrera nos apresenta “A política dos juristas”, da Alameda Editorial. Leia a resenha do livro, feita por João Ibaixe Jr, em: http://bit.ly/NM6hOp

Política dos Juristas
Autor: Carlos Miguel Herrera
Editora: Alameda
Preço: 40,00
Compre na Livraria Última Instância por 34,00

2 de fevereiro de 2014

Ao amigo Donizete Galvão, minha despedida

Recebi no dia 30 de janeiro a pesarosa notícia do falecimento do amigo Donizete Galvão, ocorrido na madrugada. Que tristeza! Meu orientador das letras, carinhoso leitor de meus escritos e que, apesar da pobreza destes, me incentivava a continuar. Por apreço, via-me um poeta, algo que sem sua amizade jamais serei. Com sua morte, sinto-me órfão.

Donizete Galvão era mineiro de Borda da Mata, tendo se mudado para São Paulo em 1975. A cidade foi adotada também em sua poesia, que misturava elementos da vida interiorana, em que se criou, com a experiência do urbano vivenciada.

E ele viveu São Paulo, sempre andando de metrô, ônibus ou táxi, algumas vezes de carona com os amigos, permitindo que ouvissem suas observações argutas da vida na metrópole e sutilmente autorizando que lhe roubassem as experiências dos poetas que leu ou conheceu (aprendi muito sobre Orides Fontela).

Não convivi com ele tantos anos como gostaria, mas, nas oportunidades que tive, aproveitei. Certa vez, pedi-lhe que fosse meu professor de poesia, ele leu alguns textos meus e disse-me que eu não precisaria. Nunca comentou minha poesia, mas falava bem de meus ensaios, divulgando alguns até no facebook.

Por seus comentários carinhosos, sentia-me um escritor e um pouco poeta, um observador da realidade e leitor das camadas mais profundas da experiência humana. Se tivesse convivido mais com ele, talvez tivesse aprendido a transformar isso em poesia.

Em "O Homem Inacabado", impressionou-me muito a tradução do sentimento de angústia do não ter acontecido, do ter caído em desuso e o peso de se estar ainda acontecendo, de se estar vivo. A existência, o corpo, dividido "entre a aceitação da derrota/ e a teia dos desejos/ que ainda o enredam (“O Corpo Desdobrado”).

E a finitude, que recorda o breve encerramento do prazo "para o homem construir sua fachada"; em vão, pois, "em todos esses anos de obra,/ ergueram-se inúteis plataformas/ para edificar um escombro" (“Fachada”).

Transbordando alegria nos encontros, que antagonizava com certa melancolia benjaminiana (vista, por exemplo, em "Para Evgen Bavcar”), ele ensinou como conviver-se consigo mesmo e a confrontar-se com tantos "homens acabados", senhores de si, no elevado patamar de sua arrogância.

Ressentirei sua ausência, fará falta sua ácida crítica (principalmente no facebook) a eventos cotidianos, serei menos escritor, menor do que sou, mas, com o sofrer e o desgosto da partida, terei a pequena ponta de orgulho de pertencer ao rol dos homens inacabados.

E na oração da despedida, pedirei a ele que, em conjunto ao "anjo distraído de Klee", guarde a nós "colhidos na engrenagem produtora de ruínas".


FERIDA ABERTA

reverbera
    a sua morte
em círculos
concêntricos
             de dor

um homem sangrava
outro homem dormia

esse sangue
           coagulado
anuviou para sempre
            a luz do dia

a cada perda
          abre-se um talho
por onde escorre
          sempre viva
a primeira agonia

(O Homem Inacabado)

DONIZETE GALVÃO (1955-2014)