Questiona-se muito, agora na época das eleições da OAB/SP, que serão no próximo dia 17, se há um princípio democrático que determinaria o impedimento de dos quatro candidatos a concorrer ao terceiro mandato. Tal candidato é o atual presidente da instituição, hoje licenciado. Para denotar tal situação, muitos se utilizam de denominações diversas, buscando pela nomenclatura tentar firmar a perspectiva de uma contrariedade à democracia.
O fato permite uma reflexão sobre o sentido atual do conceito de democracia e se este é aplicável sempre da mesma forma a todas as instâncias políticas da vida em comunidade. É possível que a democracia se realize por prazo determinado, ou seja, por dois mandatos consecutivos apenas ou, na verdade, existe um elemento que caracteriza a mesma democracia e esta se consubstancia de um modo na esfera político-partidária e de outros modos possíveis nas esferas de uma determinada classe social ou profissional?
Desde a Constituição de 1988 foi instituído o Estado Democrático de Direito , mesmo passados mais de 20 anos, ainda se luta por sua integral realização. Em termos de governo, há uma regra – atual, mas que já existiu de forma diferente – que permite uma única reeleição a cargo executivo. Assim, numa determinada analogia proposta, também estaria impedida mais de uma reeleição ao cargo de titular da OAB. É valida tal analogia?
Primeiramente Estado Democrático de Direito é uma configuração que exige e aponta para um modelo de Estado, segundo o qual, o ente político deverá preservar em princípio a dignidade da pessoa humana, em seu aspecto existencial, como indivíduo e cidadão.
Sob tal denominação, deitam-se de visões políticas de conotação semântica distinta e que, derivando tanto de bases de esquerda como de direita, embora no mundo moderno tal classificação seja um pouco nebulosa, não implicam em si mesmas que dado país efetivamente reúna um conteúdo pragmático a honrar o conceito de democracia.
Pela amplitude retórica de significados, no caso da reeleição, muitos iniciam seus argumentos dizendo que esta, se reiterada, feriria os princípios do Estado Democrático. Porém, fundamentações consistentes não aparecem como sustentação de tais assertivas.
Aliás, o mundo apresenta exemplos de eleições de líderes políticos em países de efetiva tradição democrática, que não ofendem quaisquer princípios fundamentais; ao contrário, reforçam a democracia. Por outro lado, nossa própria história apresenta um período em que houve transição de liderança, mas a linha política era absolutamente autoritária.
A verdadeira democracia depende de um projeto de governo real, nascido da leitura eficiente dos anseios dos integrantes da sociedade e que somente pode ser executado pelo grupo que efetivamente vislumbra tais ideais e pretende almejá-os, sempre em prol do cultivo da cidadania. Enquanto existe projeto, enquanto existem ideais, enquanto se valoriza a cidadania, um determinado grupo pode exercer o poder legitimamente, fundado no desejo do povo.
A idéia de que o poder não pode ser tomado por uma só pessoa advém do receio da perda do ideal e da possível manutenção do poder apenas por sabor ao seu exercício. Sob este aspecto, pouco importa se o nome do líder seja o mesmo ou não. Um determinado grupo, que se articule sem projeto ou sem ideal, pode buscar alternância de nomes, mas visa sempre o seu bem-estar e não suprir as necessidades populares, no sentido de alcançar concretos ideais políticos e sociais.
Outro erro é comparar a eleição a cargos políticos com a eleição a um cargo de classe. Uma classe tem de buscar o que alguns autores chamam de consciência, vale dizer, um conjunto de valores, bens, sonhos, direitos, deveres, obrigações e tarefas que a fortaleçam na concretude de delineamento de um espaço próprio, ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento político da nação a que pertence.
Assim, as forças sociais de uma eleição a cargo executivo geram e nascem de uma dinâmica diferente daquela produzida e nascida pelas forças sociais de uma eleição a cargo de classe.
A comparação, deste modo, demonstra uma pobreza de análise de eventos sociopolíticos complexos, o que já pesa contrariamente para quem a defende e eventualmente tenha pretensão à candidatura para o órgão de classe.
Outrossim, uma vez adotado o princípio da não reeleição sob o argumento da violação democrática, todos aqueles que se reúnem sob tal bandeira, por força da própria lógica envolvida, não podem aceitar apoios de ninguém que já tenha sido eleito mais de duas vezes consecutivamente.
Finalmente tal discussão acaba por demonstrar um profundo desconhecimento sobre a tradição eletiva da entidade dos advogados. Há muitos que em subseccionais disputaram eleições pela terceira vez consecutiva. Na presidência da seccional também há exemplos e não se pode dizer que foram mandatos antidemocráticos.
Enfim, pela coerência, pela verdadeira afinidade com princípios constitucionais e pela tradição democrática eletiva da advocacia, não se pode impedir um candidato de disputar o cargo pela terceira vez que seja. O critério mais aceitável de escolha ou rejeição de alguém reside na análise de suas propostas e no firme compromisso de implementá-las.