Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

30 de maio de 2010

Direito adquirido e expectativa de direito



As normas jurídicas têm um período de vigência determinado pelo começo e fim de sua obrigatoriedade, decorrendo daí que elas nascem, vivem e morrem, como afirmou Vicente Ráo. Sim, também a norma perece com o decurso inelutável do tempo. Envelhece, perde seu vigor, sua força, sua eficácia, sua razão de vida. Deixa de gerar efeitos desejáveis e, assim, tem de ser substituída.

Com a revogação da norma anterior e a existência de nova norma, dúvidas surgem com relação aos efeitos de ambas em face de situações existentes, as quais podem estar consumadas totalmente ou não.

Aquelas situações já consumadas, onde todos os atos ocorreram e se extinguiram na vigência da norma anterior, sendo seus efeitos totalmente produzidos, não são jamais alcançadas pela nova norma, não sendo alterados ou destruídos os resultados delas decorrentes.

A própria natureza humana impõe que o passado seja inviolável. Com efeito, o homem que não pode se julgar seguro com relação à sua vida passada seria o mais infeliz dos seres. O passado pode deixar amargos dissabores, mas encerra, por definitivo, todas as incertezas, na afirmação de Portalis, pois, somente o futuro é gerador de hesitação e dúvida e estas são suavizadas, amenizadas pela doce esperança, a fiel companheira da fraqueza humana.

Como poderia o sistema de leis e normas, fruto do tecido social, modificar esta condição inerente à humanidade? Não, não será a lei a fazer reviverem-se as dores, destruindo-se a suave e firme esperança.

Defronta-se, contudo, com certas situações cujos efeitos não se realizaram. Iniciaram-se elas na vigência da norma anterior, mas suas conseqüências serão produzidas já sob a égide da norma atual. Encontra-se a solução num princípio denominado irretroatividade das leis. Mas não é sobre ele que se irá tratar aqui.

Interessa agora apenas a análise de um ponto de enfoque deste tortuoso problema, dele decorrente: fala-se do direito adquirido.

Direito adquirido é um princípio jurídico cujo escopo é o resguardo da tranqüilidade e da paz sociais, em face de novas normas jurídicas. É uma proteção à condição humana e ao bem-estar da sociedade.

A primeira lição advém da construção de Francesco Gabba, para quem é adquirido todo direito que seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo; e que nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Celso Bastos orienta, em que pese a dificuldade desafiante de sua conceituação, que o direito adquirido consiste na faculdade de continuar a extraírem-se efeitos de um ato contrário aos previstos pela lei atualmente em vigor.

Direito adquirido é faculdade personalíssima, integrada ao patrimônio material ou moral do titular, ocorrente quando este reúne todas as condições ou elementos para configuração ou exercício de um direito, ou ainda, caracterização de uma situação jurídica, ficando a seu critério, dentro das condições adequadas, a realização ou concretização desse direito ou situação.

Em magistral síntese, Wladimir Novaes Martinez afirma o direito adquirido ser aquele direito que se pode exercer.

Com alguma freqüência, o direito adquirido é confundido com a expectativa de direito. Ao se falar em expectativa de direito, deve-se ter em mente a existência de um titular de um eventual direito, porém, sem que este esteja plenamente configurado ou sem a ocorrência de todas as condições para seu possível exercício. Vislumbra-se um direito, mas este ainda não foi alcançado até a superveniência da nova lei; ele não se concretizou, não se efetivou, não reuniu todos os elementos necessários para sua formação. Permaneceu tão somente no campo da esperança da realização por parte de seu titular.

Utilizando-se do conceito aristotélico de potência e ato, pode-se dizer que a expectativa de direito é uma potência, é um direito em potencial, mas não se realiza, não se forma, não recebe vida, não se transforma em ato, não se podendo dele fazer uso ou meio de ação.

Com o direito adquirido ocorre justamente o oposto. De potência latente, ele se transforma em ato, vive, é sensível. Dele o titular pode usufruir, porém, lhe é facultado a escolha do momento e da oportunidade mais adequada.

Enquanto a expectativa de direito é uma esperança, o direito adquirido é uma realidade viva, a ser apresentada quando seu titular assim o desejar.

Conclui-se afirmando que o direito adquirido é conquista da humanidade e representa notável instrumento estabilizador das relações humanas, estando presente em todos os segmentos do Direito.

É a preservação de uma situação já concretizada anteriormente, cuja nova lei obrigatoriamente tem de respeitar, a fim de se resguardar principalmente a segurança social, por todos sempre almejada.

4 de maio de 2010

A Lei da Anistia questionada

Por cinco votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) parece já ter definido a discussão sobre a chamada Lei de Anistia. O julgamento se iniciou na última quarta-feira (28/4), com o voto do relator, ministro Eros Grau, que entendeu pela impossibilidade de revisão da lei sancionada há mais de 30 anos. Nesta quinta-feira, sua posição foi acompanhada pelos ministros Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio. O voto divergente foi dado pelo ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado pelo ministro Carlos Britto, tendo ambos deferido em parte a ação, por entender que a anistia não se aplica para os autores de crimes comuns, como a tortura e o homicídio. No momento em que escrevo vota o Ministro Celso de Mello, o qual será seguido pelo agora presidente do STF, Ministro Cezar Peluso.

Dentre muitos, o primeiro problema que me chama a atenção é o fato da hermenêutica jurídica estar sim vinculada a uma ideologia. O presente caso é exemplo vivo disto. No questionamento do art. 1º da Lei de Anistia, sob o argumento de se estarem buscando a punição de crimes comuns mascarados pelo véu político – não se observa se legitimamente ou não, porque isto nesta análise não é matéria de indagação – questiona-se a não extensão da proteção da lei aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar. Leia mais.