Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

21 de abril de 2020

Coronavoucher: algumas reflexões sobre o tempo, a prescrição e a decadência

Por João Ibaixe Jr.
Artigo publicado originalmente no ESTADÃO online 

No dia 2 de abril último, durante a crise provocada pelo chamado coronavírus e a respectiva enfermidade por ele gerada, a covid-19, foi sancionada a Lei nº 13.982/2020, a qual, em complementação à Lei nº 8742/93, criou um outro benefício de prestação continuada (BPC), que recebeu o apelido de “coronavoucher”.
O apelido, que pegou na mídia, tem boa sonoridade, mas não representa claramente a natureza do benefício que, em princípio, não é um “voucher”, porque não tem nenhuma relação com título de crédito, gênero ao qual pertence o voucher. Discutível é também sua colocação como benefício continuado, dada sua natureza emergencial, portanto, de ordem eventual, vale dizer, a de existir enquanto perdurar a crise, em três únicas prestações.
O objetivo do presente texto, porém, é tratar de um tema secundário ao assunto, que é a questão da prescrição e/ou decadência do instituto. Secundária, diz-se em termos, porque importa bastante saber-se sobre a relação de tempo envolvida no instituto, principalmente a de se perguntar por quanto tempo perdurará o benefício ou o direito a recebê-lo após o encerramento da crise do coronavírus.
Como já muito afirmado, prescrição e decadência são institutos que têm sua origem no direito privado e neste encontram sua principal fonte de debates.
Enquanto era vigente o Código Civil de 1916, as discussões se faziam acaloradas porque naquele momento não haviam chegado duas noções importantes, a de direitos difusos e a de interdisciplinaridade. Hoje, mormente com esta última, é comum ver discussões de institutos originários de certos campos de saber serem abordadas por outros. Além disto, com os direitos difusos, perdeu-se um pouco a força das distinções de classes dos chamados direitos subjetivos, principalmente aquela referente a direitos prestacionais e direitos potestativos. Hoje, há uma grande discussão sobre direitos coletivos que obscurece um pouco a dos direitos meramente subjetivos.
A situação se torna mais nebulosa porque, com o Código Civil de 2002, tanto a prescrição quanto a decadência perderam um pouco do vigor – e até de certo glamour que possuíam –, sendo objeto de mera orientação dispositiva. Pode-se dizer que a pragmática do cotidiano forense, reforçada por um excesso de produção legislativa, obscureceu um pouco a discussão científica em torno da relação tempo e exercício de direitos. Em sua maioria atualmente, quase tudo se enquadra em prescrição nos campos do direito civil e processual, restando a discussão mais fortemente acentuada ainda no espaço do direito tributário.
Assim, grosso modo, permanece a clássica distinção para a qual a prescrição remete ao fim temporal do direito de ação e a decadência, ao direito material em si mesmo. Transportando isso ao campo do direito previdenciário, a prescrição deveria referir-se a ações, administrativas ou judiciais, enquanto os direitos do segurado (como contribuinte ou beneficiário) se submeteriam à decadência.
A prática legislativa previdenciária, todavia, parece desenhar uma linha tênue entre os institutos. A exemplo, veja-se o confronto entre o “caput” do artigo 103 e seu parágrafo único, da Lei nº 8213/91. No “caput” se fala em decadência “do direito e da ação” e no parágrafo único se fala em prescrição quinquenal de ações. A diferença é dada pela natureza das ações envolvidas, mas, pelo critério clássico, tal distinção não seria a mais adequada. Pela doutrina previdenciarista majoritária, a prescrição ocorre em 5 anos e a decadência em 10.Já pelo Código Civil, em termos gerais, de acordo com o art. 205, não havendo regra específica, a prescrição ocorrerá em 10 anos, enquanto a decadência vem explicitada dentro de certos institutos.
Ao que parece, se a regra clássica fosse válida no direito previdenciário, o segurado poderia manifestar-se acerca de ser titular de um benefício em até 10 anos. Assim, a título de exemplo, seguindo a distinção clássica, se o mesmo segurado tivesse reunido todas as condições para requerer sua aposentadoria, ele teria o direito a aposentação, direito material de tornar-se aposentado e deveria exercê-lo em até em 10 anos; em não o fazendo, perderia tal direito material. Ainda na regra clássica, se ele tivesse obtido a aposentadoria – portanto, já titular do direito e desfrutando dele –, mas tivesse qualquer problema com o benefício e tivesse que fazer qualquer reclamação, seu prazo seria de 5 anos. A leitura do art. 103 – bem como a jurisprudência e a doutrina – afirma o contrário. Em resumo, em previdenciário, fala-se, de acordo com a abordagem clássica, somente em prescrição, porque todo o tempo se está a falar de um procedimento que garante um direito e não do próprio direito em si.
Há no direito previdenciário uma outra questão que precisa ser levantada. A da natureza da prestação recebida pelo beneficiário. Esta, por unanimidade de doutrina e jurisprudência, é considerada alimentar e, portanto, imprescritível.
Logo, por mais este motivo, não existe decadência em direito previdenciário, uma vez que o direito em si, por sua particularidade conceitual, é alimentar e, pois, não sofre de caducidade com a passagem do tempo.
E na questão do coronavoucher, como ficam as coisas? Ele sofre de decadência? O prazo para requerê-lo é de 5 ou 10 anos? Ou ele é imprescritível?
Uma tentativa de responder à pergunta a partir de uma visão da teoria geral do direito, é tentar-se reconstituir o que se convencionou chamar-se de “natureza jurídica” do instituto. Primeiramente, como visto acima, algumas circunstâncias modificaram a forma de abordagem dos direitos subjetivos. Assim, falar-se de natureza jurídica hoje não é mais relacionar conceitualmente um instituto ao feixe de normas ao qual ele eventualmente pertenceria, mas verificar a sua realidade efetiva enquanto mecanismo de garantia de certa situação no espaço sociojurídico.
Assim, a primeira pergunta que se deve fazer é: o coronavoucher nasce como um benefício permanente ou temporário? Aqui a resposta parece óbvia no sentido de ser temporário como um mecanismo de resguardo alimentar de pessoas em situação de hipossuficiência durante a permanência da crise da covid-19. Uma vez controlada a crise, a critério de elementos dados por políticas de saúde pública, este benefício deve ser encerrado. Portanto, sua vigência é a mesma do tempo da crise.
Uma vez encerrada a crise, duas questões surgem: 1) quanto tempo, numa eventualidade de sua prorrogação, o benefício deveria continuar a ser pago; 2) por quanto tempo mais poderia ser requerido.
Ambas as questões recaem numa problemática que não é apenas técnico-jurídica, mas econômico-política e sociocultural. Num país com o grau de desigualdade como o nosso, por quanto tempo aquele cidadão em posição de hipossuficiência necessitaria de auxílio governamental para se recuperar da crise?
Obviamente, embora o ideal fosse a solidariedade com o cidadão em tal posição desigual, tanto a política econômica quanto a cultura social brasileiras não têm histórico de eleger o referido sentimento à princípio de governança ou de condução de políticas públicas.
Sendo assim, o direito teria de normatizar a questão e deixar clara a duração do benefício para que o cidadão hipossuficiente não venha a ser pego de surpresa com o encerramento deste ou de seu prazo de requerimento.
Diante do quadro já presente no direito em relação à prescrição e decadência, tratando-se de um benefício que, embora continuado, não perdura ad infinitum, o mais justo é que ele seja pago por um certo prazo, numa eventual prorrogação, ao final da crise e possa ser pleiteado, por quem dele o necessitava, também por um certo prazo após o final desta.
Examinando-se os prazos presentes na legislação brasileira, aquele que se refere a prestações alimentares, no Código Civil, art. 206, § 2º, fala em 2 anos.
Considerando-se termos econômicos e políticos, além da natureza alimentar inerente ao coronavoucher, o prazo citado parece ser o mais razoável, tanto para perdurar a prestação após o encerramento da crise, em eventual prorrogação, quanto para se pleitear o benefício por quem não o fez durante ela, mas dele ainda necessita. Neste último caso, por óbvio, devem ser demonstradas as condições que impediram o exercício do direito.
Certamente esta não é uma leitura estrita do direito previdenciário, mas, como se afirmou acima, hoje o direito não pode ser tratado como gavetas estanques que não se comunicam. E, principalmente, não pode estar distanciado de uma realidade que o cria e na qual irá se efetivar.



Autorizada citação desde que referenciada a fonte.
Para citar o artigo:
IBAIXE JR, João. Coronavoucher: algumas reflexões sobre o tempo, a prescrição e a decadência. In: Estadão online. Publicado em 20.04.2020. Sítio: https://bit.ly/IBAIXE_Coronavoucher-algumas-reflexoes-sobre-tempo-prescricao-decadencia(acrescentar data de acesso).


10 de abril de 2020

Sexta-Feira Santa: um ensaio sob perspectiva fenomenológica

Qual um sentido possível hoje para se rememorar a crucificação de Cristo ?


Cristo Crucificado - Salvador Dali


A Sexta da Paixão é a data que relembra e indica o percurso imposto a Jesus, precedido pela flagelação, em que carrega a cruz com a qual seria crucificado no Monte Calvário. Paixão, neste contexto, significa sofrimento e a Sexta-feira  Santa seria, assim, um dia de luto e comoção.

Paixão em seu significado comum quer dizer um conjunto de sentimentos que se opõem à razão e é um termo que vem do latim arcaico "passio”. 

“Passio” era um termo importante para a escola estoica do século III a.C., porque traduzia a ideia de “perturbatio”, ou seja, tudo aquilo que perturbava a alma do filósofo, que deveria ser “impassibilis”, vale dizer, deveria manter-se livre de qualquer perturbação ou inquietação, para fazer uso da tranquilidade da razão. Desta noção deriva-se o significado hoje atribuído comumente ao termo paixão.

Todavia, “passio” deriva da expressão grega “pathos”. Para os gregos, não havia nenhuma conotação pejorativa para o termo. Não era nenhuma perturbação ou inquietação, mas indicava a ideia de disposição da alma, que hoje pode ser traduzida por sentimento, entendida como uma disposição emocional complexa, a princípio, nem negativa, nem positiva. Sentimento pode ser de afeto, de tristeza, de amor, de aversão. Não havia conotação pejorativa à priori que indicasse qualquer “perturbatio” para a razão. Ao contrário, podia mesmo servir de apoio para esta. “Pathos” para os gregos era algo suportado pela alma e a colocava em certa disposição, desta ou daquela maneira, dependendo de como era dado esse algo.

Somente no latim tardio e com os primeiros autores cristãos, “passio” começa a receber o sentido de submissão, principalmente submissão à injustiça. Com a ideia de submissão, o termo passa a ser sinônimo do verbo latino “suffrero”, que dá origem ao atual verbo “sofrer”. 

Com o caminhar da literatura cristã, paixão e sofrimento passaram a ser utilizadas largamente com o mesmo significado. Para os autores cristãos, porém, sofrimento era um mergulho apaixonado e fervoroso na direção da Graça divina.

O advento das chamadas escolas literárias após o renascimento, principalmente o Barroco e o Romantismo, conformaram a ideia de sofrimento à sua conotação negativa de padecimento, como um suportar de dores, injúrias e injustiças.

O sofrimento tornou-se, assim, a experiência quase insuportável de algo que infundadamente se tem de carregar, com todo peso amargo e desprazeroso que isso provoca. Nos tempos modernos e atuais, em que a felicidade é um consumir e usufruir constantes, o sofrimento é quase uma maldição execrável e abominável e, mais ainda, injustificável.

Por conta disto, principalmente hoje, somos inclinados a ver na Paixão de Cristo um dia de mortificação, no qual o enlutar-se é a conduta mais adequada e o entristecer-se o sentimento mais eloquente.

O exame acima mostra o contrário. O sofrimento de Cristo busca indicar um encontro. Um encontro da paixão como resgate daquela disposição da alma que nos leva ao sentido máximo de nossa existência. O sentido da existência de Cristo se deu na morte, porque com ela foi revelada sua natureza divina, seguida da ressurreição.

O sentido de nosso viver não é dado com a morte. Esta pode nos revelar o momento da nossa finitude. E essa angústia do fim pode vir a apontar para o real sentido da nossa existência. Aqui também reside o exemplo da Crucificação de Cristo.

Apartado do luto, o significado da Paixão pode ser pensado como uma reflexão sobre o sentido de nosso existir. A morte de Cristo foi sua finitude, mas foi também a plenitude de realização de seu existir, como promessa anteriormente dada. Na morte, ele se efetivou como ser que era possível ser.

Na morte, não efetivamos nosso existir. Ao contrário, é no existir que efetivamos nosso ser a cada possibilidade que se nos abre e é realizada. Na existência realizamos nosso poder-ser.

A Paixão de Cristo não é um dia para o luto, mas uma oportunidade de refletir e nos lançarmos perguntas.

Qual a plenitude de meu existir? Quais as possibilidades de minha existência? Consigo vislumbrar aquilo que posso ser? Minha disposição de alma, meu “pathos”, é a que me permite encontrar-me com meu poder-ser?

Que a Sexta-Feira Santa nos permita essas reflexões!





4 de abril de 2020

Epidemia e crise da sociedade humana

O coronavírus revela o conflito entre a sociedade civil e a sociedade política

por Antonino Infranca

Mulher usando máscara passa em frente ao Domo, em Milão (Foto:Yara Nardi/Reuters)

O artigo de Badiou me convenceu a sair da reserva na qual outsiders devem se relegar. Saí porque estava esperando alguma ideia original, digna do mestre que é Badiou, mas essa ideia não veio. Os outros que, antes e melhor do que eu, participaram do debate, destacaram os limites e a superficialidade do artigo de Badiou; e, não querendo passar por quem atira na Cruz Vermelha, prometo a mim mesmo não fazer mais nenhuma menção à sugestão do artigo de Badiou, sugestão que eu esperava receber.

Mario Reale foi muito incisivo ao lembrar que, afinal, Badiou falava apenas da França. Para muitos outros intelectuais franceses, falar sobre a França já é falar sobre o mundo. Ainda mais incisiva é a sugestão de Reale sobre o Ocidente. Afinal, a epidemia de Covid-19 se tornou tópica quando atingiu o Ocidente, primeiro a Itália e depois, lentamente, todos os outros países do Ocidente, no centro do mundo, foram afetados. Enquanto era um negócio em uma província chinesa, com seus mercados imundos e práticas alimentares não civilizadas - como Badiou disse - não importava, era periférico.

Precisamente essa consideração permitiu a propagação global do vírus, porque se é verdade que houve epidemias importantes no passado próximo, nenhuma atingiu a disseminação do coronavírus. Vittorio Giacopini mencionou com razão a gripe espanhola, mas se pode acrescentar a gripe asiática, após a Segunda Guerra Mundial e, no passado distante, remontar às epidemias de peste de 1348 e 1630. Mas o que é agora desconcertante é o fato de que, diante do óbvio caráter global da epidemia, as respostas são apenas nacionais, apesar de a Organização Mundial da Saúde tentar de todas as maneiras deixar claro a que todos os estados devem reagir. Mas a OMS é uma agência das Nações Unidas e é tratada como a ONU, o que significa que ninguém a ouve.

A resposta à epidemia de Covid-19 permaneceu nas mãos dos estados-nação e, dado o estado de emergência, as decisões estão concentradas nas mãos dos chefes de estado e de alguns outros formuladores de políticas. Aqui surgiu o lado sombrio do capitalismo de hoje e de seus líderes políticos. Os líderes mais representativos de grandes nações, como Johnson na Grã-Bretanha ou Bolsonaro no Brasil e o líder do estado mais poderoso do mundo, Trump, nos EUA não ocultaram sua concepção social e política: a epidemia não é um assunto importante, vem de uma periferia miserável, afeta os mais fracos, os idosos, não pode afetar grandes estados como o nosso. Essa é uma concepção eugênica da política, porque considera supérfluos os outros, os fracos, os excluídos ou as vítimas. Não se trata de ignorar o problema, como fizeram todos os líderes das nações afetadas, começando com Xi Jinping, é uma declaração de vontade de poder! Quem se permite expressar esse tipo de ideia se sente tão poderoso que pode dizer que as vítimas são supérfluas. Trinta anos atrás, essas declarações provavelmente teriam suscitado uma onda de indignação que teria engolido esses declarantes; hoje, no máximo, elas são consideradas declarações bizarras. A verdade é quem fez tais declarações, sabe que pode fazê-lo e que parte da opinião pública de seu país estará com ele, como está acontecendo no Brasil. Mas o Brasil não é a França e, logo, não faz notícia.

Giacopini lembrou algumas das vítimas do coronavírus: trabalhadores informais. Mas estas já foram vítimas do capitalismo do século XXI! Existem novas vítimas: os idosos. Antes da epidemia, os idosos eram um pilar das economias em dificuldades e carentes; como a nossa e a deles são vítimas, certamente haverá consequências profundas. Não quero fazer previsões, pois assim evito em incidir em erro, mas milhares de idosos, numa economia italiana asfixiada, sofrerão certamente consequências. Quantas famílias viviam com importante apoio financeiro deles. É claro que também não me esqueço dos danos humanos e espirituais que a morte provocará, mas este é normalmente suportado no ambiente fechado das famílias e no círculo dos amigos próximos.

Os governos, sob pressão dos empresários, estão tomando cuidado para não parar indústrias, não parar a produção, não importando o destino dos trabalhadores, pois este já não importava antes da epidemia. Nem mesmo o pensamento de que uma força de trabalho, dizimada por uma epidemia, é uma grande perda econômica para uma sociedade civil, gera dúvidas na classe política quanto à sua decisão de continuar se concentrando na produção. Hoje, a força de trabalho é tão pouco qualificada que é sempre possível substituí-la. Esta é a confirmação de que a economia supera a vida humana.

O confinamento da sociedade civil, o lockdown, é aceito quase por unanimidade pela sociedade civil, porque é o único remédio possível no momento. Mas uma grande minoria não o respeita. Na Itália, há mais relatos de desrespeito ao confinamento do que infectados, portanto, mais imbecis do que doentes. Na realidade, esses imbecis são os rebeldes – aqueles que simpatizam com Hobsbawm – aqueles que estão minando o consenso social e, com isso, o papel do Estado. Nos subúrbios italianos, isto é, em Palermo e Nápoles, estão ocorrendo episódios de rebelião, porque a fome começa a assediar as famílias confinadas sem recursos econômicos. E nessas áreas, se o Estado não intervém, as organizações criminosas intervêm. A vida humana se vinga da economia. O Estado não tem outros meios para lidar com essas revoltas senão a repressão, ou para atender às demandas de classes mais altas da sociedade civil, comprometendo seu orçamento e com ele seu papel dentro da União Europeia, que permanece em sua figura de Estado-nação e que não deseja dar um salto qualitativo em direção a uma verdadeira federação europeia.

Um capitalismo baseado na produção e no consumismo não pode aguentar muito sem o consumo. Observa-se que o capitalismo financeiro, o auge do capitalismo atual, sente a crise e começa a ficar confuso. Agora é a hora de investir em algo sólido e, se a crise continuar, em breve revelará quais coisas comprar, isto é, aqueles bens de consumo que estarão disponíveis para a sociedade civil a preços reduzidos, porque nesse meio tempo seus proprietários serão arruinados pelo confinamento. Enquanto isso, porém, a crise está em andamento e o futuro é incerto. A sociedade civil está confinada e a sociedade política está desaparecida. Quando a desconfiança da sociedade civil se torna aparente, com seus tumultos cada vez mais frequentes, isso demonstra à evidência sua desconfiança na sociedade política. São duas respostas complementares: desconfiança de ambos os lados na sociedade humana. Como isso vai acabar? Não quero me equivocar e, por isso, não faço previsões. Espero talvez o que Badiou chamou, sem explicar, de o "terceiro comunismo".



Publicado originalmente em Filosofia in movimento (01/4/2020)
(para ler no original, clique aqui)

Trad. João Ibaixe Jr.





Antonino Infranca
Philosophical Doctor (Ph. D.) pela Accademia Ungherese delle Scienze e dottorato in Filosofia pela Università di Buenos Aires. È autor de Giovanni Gentile e la cultura siciliana; di Tecnecrate. Dialogo; L’Altro Occidente. Sette saggi sulla realtà della Filosofia della Liberazione; Lavoro, Individuo, Storia. Il concetto di lavoro in Lukács (Trabalho, Indivíduo, História: o conceito de trabalho em Lukács, Ed. Boitempo); I filosofi e le donne (Os filósofos e as mulheres, Ed. Dobradura).