Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

27 de dezembro de 2011

Hermenêutica jurídica: o pressuposto estético de Gadamer (parte I)



Quem já ouviu falar em hermenêutica filosófica  e como ela revoluciona a hermenêutica jurídica?

O que pretende Gadamer, criador da proposta, com seu livro “Verdade e Método”?

Por que ele parte do conceito de "consciência estética"?

Qual a relação com o conceito de verdade?

E como pode a ideia de estética interferir no direito?

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Para ler a Parte II, clique aqui

16 de dezembro de 2011

Raízes da criminalidade: perspectivas da criminologia complexa


Quais são as raízes da criminalidade? Como devem ser examinadas?

O modelo hoje, que precisa retratar a complexidade dinâmica da sociedade moderna, pode ser o mesmo da criminologia tradicional?

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Vilém Flusser: Língua e realidade - resenha



Nos dias atuais, há uma linha de pensamento em Teoria do Direito que se opõe ao positivismo e busca trazer questões referentes à Filosofia da Linguagem aos estudos jurídicos.



Uma das obras principais para dar fundamento a essa corrente é o livro de Vilém Flusser, denominado “Língua e realidade”, do qual se apresenta uma resenha, com o intuito de facilitar um primeiro contato.



Resenha é uma modalidade de trabalho científico em que o autor apresenta uma leitura daquilo que encontrou numa determinada obra, buscando apontar o foco central do tema tratado, portanto devem ser evitadas expressões qualificativas e adjetivadoras, pois há exigência, dentro do que é possível, de certa objetividade no texto da resenha.



A obra de Flusser permite o encontro de uma linha central de reflexão, mas é impossível cumprir o requisito da objetividade: o livro é fantástico! Mesmo para quem não tenha tido nenhum contato com o tema central, ele provoca algum arrebatamento em termos de provocação para o pensar.



Cometida esta falta procedimental, falemos do tema do livro: trata-se de uma proposta de apresentar uma teoria da tradução, a qual se insere no campo mais amplo da filosofia da linguagem.



Mas como um tema de linguística, que é a tradução, pode estar incluído em questões filosóficas, mormente daquela esfera denominada filosofia da linguagem? Para responder a esta pergunta, Flusser escreve o livro. Para esclarecê-la, estrutura-o em quatro partes, a saber:

1) a língua é realidade

2) a língua forma a realidade

3) a língua cria a realidade

4) a língua propaga a realidade



Como se pode ver por este sumário, tradução, língua e realidade são os elementos com os quais Flusser trabalhará durante todo o texto. A questão é como ele articula estes três elementos criando uma obra filosófica, sem características filosóficas, que provoca profunda reflexão no leitor, podendo até mudar paradigmas de pensamento e existenciais, dependendo de como e com qual profundidade for lido.



O livro é escrito numa linguagem simples, quase sem emprego de termos complexos ou pertencentes exclusivamente ao campo da filosofia ou mesmo da linguística, enfim sem qualquer jargão científico de plano fechado. O texto pode ser lido como um romance no sentido de haver uma narrativa que faz o leitor acompanhar a obra, ao mesmo tempo em que a obra acompanha o leitor durante o percurso. Neste sentido, o livro é dialético, faz o leitor acompanhar seu discurso, enquanto o discurso acompanha o leitor – e, possivelmente em todos os casos, modifica o leitor. E isto é literatura e não ciência, menos ainda aquela ciência dogmática, fechada em si mesma.



O livro é uma abertura para o tema do qual trata, porém, mais do que isso, é uma abertura para a compreensão do humano, da realidade humana, por isso a “realidade” do título, a qual, segundo Flusser, se dá pela linguagem e aqui a justificativa “língua” também no título.



Na introdução do livro, Flusser já apresenta esse tema, fazendo um rápido percurso sobre a necessidade humana de saber (talvez indiretamente lembrando Aristóteles, para quem o “homem tende naturalmente ao saber”, conforme sua Metafísica) e apresentando num parágrafo como essa necessidade – ou natureza – se manifesta: por meio da classificação. É por meio da ordem que o homem descobre o mundo. A procura de uma estrutura ordenadora do mundo orienta o humano em suas investigações, a qual se dá por dois sistemas, um de referências e outro de regras. O primeiro para inserir coisas e colocá-las em cada posição de acordo com sua forma e o segundo para organizar e coordenar esse posicionamento. Trata-se da catalogação do mundo e de sua hierarquização, respectivamente, posição e relação.



As escolas filosóficas variaram em torno destes dois últimos elementos no que tange a como eles poderiam ser articulados. Hoje, tendo o conceito de verdade perdido seu vigor semântico e científico, as conclusões caminham para um posicionamento pragmático vazio. Contra isto é a proposta de Flusser e ele é claro: mostrar que a estrutura do cosmos, do mundo se assenta sobre a língua.



Como? A realidade do mundo se assenta sobre a língua? É isso mesmo. A realidade do mundo, toda nossa realidade, vivência, experiência, conhecimento, sensações, tudo está na linguagem. Loucura? Sim, mas é verdade, ou melhor, realidade, ou seria linguagem?



Já no primeiro capítulo – Flusser não perde tempo com divagações – o leitor já é lançado para o abismo do problema: língua é realidade. Mediante experiências concretas, Flusser demonstra que a realidade humana está estruturada toda ela num sistema de linguagem. Ele realmente realiza experiências, claro não aquelas de laboratório, mas outras muito melhores. Como ele falava alemão como primeira língua e conhecia outras sete fluentemente, além de mais algumas que estudava – ele escreveu o livro em português – retira da análise de situações fáticas as diferenças e semelhanças existentes entre línguas diversas.



Com isso, com essa experiência teórica, Flusser consegue quebrar a noção, normalmente imaginada, de que haveria dois conjuntos distintos: o dos dados brutos e o das palavras. O primeiro da realidade das coisas, as quais “têm” uma propriedade exclusiva; o segundo de uma ferramenta que “representa” a realidade das coisas.



Flusser demonstra que toda realidade é simbólica, porque são as palavras organizadas num modo de expressão, denominado língua, que autorizam toda e qualquer aproximação com o mundo. Neste existem sensações, por exemplo, um choque com uma mesa, na realidade dos dados, não é o choque com uma mesa, mas um conjunto de procedimentos que formam uma situação denominada “choque com uma mesa”, da forma seguinte: caminhar – tocar algo áspero e duro (forma específica) – impedimento do caminhar – alteração de sensação no lugar do toque – sensação desagradável (dor) – continuidade de tal sensação – conclusão. Sem linguagem, a situação seria essa, com a dificuldade ainda de escrevê-la e maior de descrevê-la. Com a linguagem, a conclusão seria “bati o joelho contra a mesa enquanto andava”. Toda a frase exige um conhecimento prévio de cada uma das expressões contidas para descrever a desagradável sensação de confrontar-se fisicamente com um objeto. Imagine descrever a situação sem a linguagem, como exercício.



Todas as sensações ou experiências humanas são assim organizadas, estruturadas, arquivadas, posicionadas na linguagem. E é esta mesma linguagem que contém as regras para realizar tal organização. Assim, é a linguagem que fornece a estrutura de classificação do mundo. É a língua que dá ordem ao mundo e que o faz mundo.



O processo se torna mais complexo com a experiência de explicar o “choque contra a mesa” em outra língua. Flusser faz diversas experiências com diferentes situações para mostrar que não existe um conjunto de dados brutos de um lado e, de outro, dois conjuntos, o da língua 01 e o da língua 02, os quais devem corresponder ao primeiro. É a partir da língua que se instala a realidade. Assim, em alguns exemplos, Flusser demonstra que para certas línguas “a mesa caminha para o joelho” (o exemplo não é bem este, mas serve para ilustrar). Com uma série de exemplos desta natureza, Flusser comprova o que diz. A língua é realidade.



A língua é realidade, mas isto não forma um sistema fechado. A prova é empírica, pois os seres humanos se comunicam em línguas diversas. Aqui entra a tradução e a base de sua teoria. Tradução é, para Flusser, toda passagem de qualquer experiência humana, da mais simples à mais complexa, para a linguagem, fazendo com que esta experiência torne-se realidade, construa o mundo e, via de consequência, faça-se compreensível. Não há um conjunto de dados brutos que se relaciona com a língua 01 e com a língua 02. Não há uma fonte comum de realidade, na qual mergulham as línguas e da qual retiram suas expressões. É o contrário.



A língua 01 forma um sistema e a língua 02 forma outro. No sistema da língua 01, uma expressão X tem lugar, posição e uso semelhante a uma expressão Y da língua 02. Há uma relação de classificação e hierarquização entre a expressão X da língua 01 e a expressão Y da língua 02 que permite uma aproximação para a compreensão de situações. O mundo da língua 01 se aproxima do mundo da língua 02 por meio respectivamente das expressões X e Y. Há uma tradução neste sentido. Há um parentesco entre as línguas, este parentesco é ontológico, de “ôntos” (ser) e “logos” (discurso), um parentesco de discurso sobre o ser que cada língua contém, na base do qual esta se constrói e constrói, consequentemente, o mundo.



Como Flusser afirma, esta análise é mais laboriosa, mas retrata a realidade do humano de forma mais adequada, mais clara e mais coerente com outros estudos, inclusive de filosofia da linguagem e até de neurociência.



Essa é a articulação proposta por Flusser em “Língua e realidade”: a língua é a realidade porque é o sistema que estrutura (hierarquiza e organiza) toda experiência humana (a qual não existe em si mesma). A realidade é a língua em todo seu conteúdo histórico de regras e vivências acumuladas, traduzidas numa forma comum de compreensão, a qual possibilita a passagem de toda experiência ao outro e do outro ao um. É à “medida que a conversação progride”, com seu sistema de linguagem, que “a natureza se transforma” e “forma a civilização”. A civilização surge quando a formulação dos conceitos é já realizada. Neste sentido, a natureza é condição da civilização e a civilização é natureza transformada.



E a ciência é uma forma especialmente desenvolvida e concentrada de civilização, enquanto a verdadeira filosofia ultrapassa a camada da conversação e participa da camada da poesia (poiesis), aquela camada da linguagem que consegue mergulhar e trazer à tona o indizível, aquela qualidade da experiência humana que só os poetas conseguem expressar.



O livro de Flusser é um convite, assim, não a ciência ou a filosofia, mas a poesia, em sua forma mais primitiva e inspiradora. É um livro maravilhoso!

11 de dezembro de 2011

Direitos Humanos: ser ou ter?



No dia 10 deste mês, celebra-se a proclamação da Declaração de Direitos Humanos de 1948.

Qual o significado da expressão "Direitos Humanos" nesta segunda década do século XXI?

Serão eles “tidos” ou “adquiridos”, nos mesmos moldes dos direitos subjetivos?

O que se pode esperar, para além de estudos sobre suas progressivas gerações?




5 de dezembro de 2011

Willis Santiago Guerra Filho propõe Manifesto para uma Assembléia Instituinte




O Professor Willis Santiago Guerra Filho, que é Professor Titular do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e convidado nos Programas de Pós-Graduação em Direito da PUC-SP e Universidade Candido Mendes, RJ, lançou no último dia 02 uma proposta de Manifesto Popular para formar uma Assembléia Instituinte com o fim de criar no Brasil a Corte Popular de Justiça, a qual teria função verdadeiramente constitucional, ou seja, a de analisar questões constitucionais em moldes diferentes do hoje existente STF.

Ele nos explica essa proposta na entrevista abaixo:


Como surgiu a idéia do Manifesto?
A proposta apresentada no Manifesto, que lancei em 02.12.2011, na forma de um abaixo-assinado a ser corroborado por quem tomar conhecimento e concordar com seus termos, surgiu impulsionada pelos movimentos populares que eclodem pelo mundo afora, na esperança de que também entre nós sejamos contagiados por essa corrente de inconformismo com o modo como somos governados. Outro fator de estímulo foi o contato com a rede de apoiadores e formuladores do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, ocasionada pelas transformações decorrentes de constituintes e das resultantes constituições, aparecidas mais recentemente em países latino-americanos, como a o Equador e a Bolívia. Este último país, por exemplo, vem de realizar eleições gerais para a sua Corte Constitucional e tribunais superiores, onde constam salas especiais para contemplar suas diversas etnias.


Nós não temos órgãos para analise de questões constitucionais?
Entre nós, a indicação dos que vêm a compor tais órgãos, de importância decisiva para a realização dos direitos abstratamente previstos em nosso ordenamento jurídico, fica sujeito ao crivo de nossos governantes, que assim passam a aparelhar por critérios político-pessoais estes que são os centros produtores do direito que efetivamente conta, ao interpretar e aplicar – ou não – as previsões genéricas e vagas contidas naquele ordenamento.


Quais os problemas gerados assim?
Os poderes instituídos, portanto, e não só por isso, precisam de reformas que eles próprios não levaram a cabo, pois os que são seus detentores lá se encontram encastelados e dispostos antes a defender as posições privilegiadas que conquistaram do que honrar com a representação dada a ele pelo verdadeiro titular de todo poder em uma democracia, isto é, o povo soberano. E assim presenciamos estupefatos a fatos estarrecedores como, para citar um primeiro exemplo que me ocorre, dentre muitos, como é o da morte de concidadãos enfermos em filas de espera do sistema de saúde, apesar de determinações reiteradas do poder judiciário de que se tomem as medidas necessárias para salvá-los, solenemente desconsideradas pelas autoridades competentes sem que daí resulte nenhuma conseqüência.


Trata-se de reforma política?
Do que se trata, então, é de tentar uma transformação por meio da reforma de nossas instituições, no que estou chamando de instituinte, por meio de um poder constituinte eleito pelo voto amplamente popular para realizar tal reforma, no sentido de termos aquelas que nos faltam para garantir os direitos que já temos assegurados constitucionalmente, mas não de fato.


Mas o principal objetivo seria a criação da Corte Constitucional?
Como principal reforma a ser feita está aquela que supriria as deficiências de nossa jurisdição constitucional, hoje exercida entre nós como se tivéssemos um órgão similar às Cortes Constitucionais que se disseminaram pelo mundo no segundo pós-guerra, tendo como modelo aquela criada ainda no período de entre-guerras, na Áustria, sob a orientação de Hans Kelsen. Este órgão nós não o temos, pois a ele não corresponde o STF, cujos membros são indicados de maneira extremamente pessoal pela presidência da República, sem passar pela mínima legitimação política, para ocupar um cargo que corresponderia ao de um órgão do judiciário, portanto sem o devido mandato, tal como tem de ser limitado o exercício verdadeiramente republicano do poder, sendo o que seria suprido pela Corte Popular de Justiça, definida na Instituinte.


Leia abaixo o Manifesto



MANIFESTO POR UMA ASSEMBLÉIA POPULAR INSTITUINTE

Considerando a permanência de um estado verdadeiramente calamitoso das condições de vida em sociedade no nosso País, apesar de alguns pequenos avanços ocorridos e de uma situação tida como melhor do que a de outros, por enquanto;

Considerando que a nossa Constituição de 1988 consagrou amplamente direitos e meios de garanti-los, mas que têm nos faltado instituições para torná-los palpáveis, reais, efetivos, sendo o maior exemplo disso aquela instituição responsável, literalmente, em última instância, pela defesa desses direitos, que é o Supremo Tribunal Federal;

Nós, abaixo-assinado, entendemos necessário que se instaure entre nós algo inédito em nossa história e, mesmo, naquela mundial, a saber, uma ASSEMBLÉIA POPULAR INSTITUINTE, formada por um congresso eleito por todos os brasileiros aptos a votar e, mesmo, aqueles injustificadamente excluídos dessa condição, como detentos e militares, com poderes específicos para realizar reformas constitucionais em todos os poderes da República, nos moldes de uma assembléia constituinte, no sentido de torná-los mais adequados à tarefa maior de garantir os direitos e as próprias garantias que eles necessitam, tendo como objetivo primeiro e maior a criação de um QUARTO PODER, a um só tempo moderador dos conflitos entre os demais poderes, tanto políticos como sociais, e defensor dos direitos da cidadania, com caráter, portanto, judicante e político-democrático: a CORTE POPULAR DE JUSTIÇA.

Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2011.

2 de dezembro de 2011

Presos inocentes e mentalidade “encarceradora”


O recente caso do motorista Fabiano Russi, que ficou preso quatro anos por um crime que não cometeu, mostra a fragilidade de nosso sistema judicial e a mentalidade “encarceradora” como única resposta ao delito, além das falhas absurdas que permeiam o procedimento penal, o qual supostamente busca a “verdade real”. Leia mais.