Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

19 de março de 2007

Direitos Humanos:por uma nova reflexão

Em um excelente artigo publicado no Jornal Estado de São Paulo do dia 18 de março último, o Prof. Celso Lafer faz uma importante reflexão sobre o alcance e o siginificado dos direitos humanos no atual momento de crise provocada pela mudança do modelo sociopolítico mundial. Leia a seguir:
Variações sobre os direitos humanos
Celso Lafer

A palavra “variação” indica as modulações possíveis de um tema. Foi nesta linha que Miguel Reale intitulou como “variações” muitos dos seus artigos, para, sem perder a unidade de sua reflexão, ir ampliando o repertório de suas considerações. É com este intuito que vou propor variações sobre os direitos humanos.

O pressuposto dos direitos humanos é o valor da dignidade humana. Este valor tem uma genealogia: o estoicismo, o Velho Testamento, o cristianismo, a doutrina do direito natural, etc. A sua plena afirmação, no entanto, é fruto da modernidade. Resulta da idéia de que o ser humano, na sua dignidade própria, não se dilui no todo social. Possui direitos, como os pioneiramente enunciados na França, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

A afirmação jurídica dos direitos inaugura a plenitude da perspectiva dos governados. É a passagem, como diz Bobbio, do dever do súdito para o direito do cidadão. Daí a interconexão dos direitos humanos com a democracia. Por isso uma parte relevante da sua tutela diz respeito às liberdades públicas e às garantias voltadas para proteger os direitos do indivíduo contra o arbítrio dos governantes e, concomitantemente, assegurar o pluralismo da sociedade.

O ponto de partida da elaboração dos direitos humanos é o princípio republicano da igualdade e o seu corolário, o princípio da não-discriminação. O desdobramento histórico deste ponto de partida norteia um processo de inclusão política, social, econômica e cultural. Daí, além da extensão dos direitos políticos, os direitos econômico-sociais. Estes estão direcionados para lidar com os problemas da exclusão material, promovendo a abrangência de oportunidades para a fruição dos bens que são criados numa sociedade e necessários para a dignidade da vida.

Um componente da dicotomia inclusão/exclusão se traduz na percepção de que uma das funções dos direitos humanos é a de se ocupar dos mais débeis. Daí a etapa da especificação dos direitos humanos centrada na tutela do ser em situação, vulnerável por várias razões (deficientes físicos, crianças, idosos, mulheres, etc.).

Num mundo interdependente, unificado pela técnica e pela economia, os direitos humanos têm uma dimensão internacional. Esta se positivou com a ONU, em função da percepção dos horrores do Holocausto e do aparecimento em larga escala dos deslocados no mundo, que realçaram a importância do que Kant chamou o direito à hospitalidade universal. Daí a abrangente inclusão dos direitos humanos na agenda internacional, tendo como horizonte a construtiva inclusão de todos na sociedade planetária, em razão das tensões da exclusão que põem em questão a paz.

O processo que sintetizei, da afirmação histórica dos direitos humanos, não é, evidentemente, a marcha triunfal de uma plataforma emancipatória. Não é, também, uma causa perdida, comprometida pela resistência dos fatos. Traduz o empenho dos que acreditam no valor da dignidade humana e que vão lidando com os desafios colocados por distintas situações. São algumas das variações destes muitos desafios que vou, a seguir, mapear.

Lembro, pensando nestes desafios, que Hannah Arendt, em A Condição Humana, chama a atenção para o problema político-axiológico da direção do conhecimento científico-tecnológico. Esta direção assume características inéditas porque, com a inovação do conhecimento, a natureza deixou de ser um dado dotado de permanência, com suas leis próprias e que não são produto da ação humana. Passou a ter a feição da plasticidade de um objeto apto a ser manipulado. Daí a contínua transposição de barreiras antes tidas por naturais.

É o caso da energia nuclear, desencadeada pela ação humana na natureza, que pode, pela destrutividade das armas atômicas, aniquilar a humanidade. É também o da engenharia genética, da clonagem, do uso das células-tronco, dos transgênicos, do transplante de órgãos, da fertilização in vitro, etc. Por isso, a natureza perdeu suas funções normativas que sustentavam a clássica dicotomia direito natural/direito positivo. Hoje, em contraste com a reflexão do passado, é, paradoxalmente, o direito positivo do meio ambiente que busca proteger a ameaçada sustentabilidade da natureza.

O avanço vertiginoso no território do conhecimento se faz sem um mapa predeterminado. Por isso, tutelar o valor da dignidade humana no campo de uma bioética laica é problemático, como o é no da propriedade intelectual. De maneira análoga, a informática e o armazenamento de dados, que permitem a internet, o funcionamento em redes da sociedade contemporânea, diluem a distinção entre o público e o privado e colocam novos problemas para o direito à intimidade e o direito à informação.

O hiato entre os fatos e o direito nas sociedades democráticas de massa é uma das causas da crise do positivismo jurídico. Uma das respostas da Teoria do Direito a esta crise é a distinção entre regras específicas e princípios gerais. Estes têm como função a expansão axiológica do ordenamento para buscar conferir uma integridade moral ao Direito. Neste processo, no entanto, surgem conflitos entre os valores contemplados nos princípios. Por exemplo: as políticas afirmativas, como políticas de reconhecimento na forma de cotas, como se ajustam a uma apropriada aplicação do princípio da igualdade; a abertura para o multiculturalismo requer ou não limites ao princípio de tolerância em relação ao diferente? Por isso a ponderação de princípios é um jusfilosófico parar para pensar o significado do direito positivo.

Em síntese, além das tradicionais resistências aos direitos humanos, novos desafios se colocam para o jurista, no século 21, no trato da dignidade da pessoa humana.

17 de março de 2007

Viver com medo (Ferreira Gullar)

No artigo seguinte, publicado na Folha do dia 11 de março último, o poeta Ferreira Gullar faz uma reflexão sobre a criminalidade e suas causas, além de questionar o destemor da punição pelos criminosos. Leia a seguir ou acesse

Viver com medo

Três homens, dois de 25 anos e um de 27, mataram a facadas, num apartamento em Copacabana, os franceses Jerôme, Christian e Delphine, dirigentes da ONG TerrAtiva, que os haviam acolhido e transformado em cidadãos. Társio, autor do plano homicida, que trabalhava na administração da ONG, aprendera francês, cursara universidade e recebera por prêmio ir à França, de graça, assistir à Copa do Mundo.

Há poucos dias, Delphine descobriu que Társio roubara R$ 80 mil da organização e o convidou para uma conversa na presença do contador da entidade. Ele, então, decidiu assassinar os seus benfeitores, com a ajuda de Luiz e Michel, também amparados pela ONG. E isso com requintes de perversidade, conforme a imprensa noticiou para horror do país, horror tanto maior neste momento em que a cidadania, revoltada, exige das autoridades providências para deter a criminalidade. Não há demonstração mais evidente de que, no Brasil, os bandidos não temem punição.

E com razão, já que boa parte dos delitos é cometida por criminosos que, condenados pela Justiça, estão livres, ou porque fugiram da prisão, ou porque foram soltos -graças ao benefício conhecido como "progressão da pena". Esse benefício -cuja modificação acaba de ser aprovada pelo Congresso- consiste em permitir que o criminoso seja posto em liberdade tendo cumprido somente um sexto da pena. Ou seja: se praticou um crime brutal e recebeu a condenação de 30 anos de prisão, estará de volta à liberdade cumpridos apenas cinco anos.

A lei prevê que o condenado só terá direito ao benefício se se comportar bem na cadeia, dando provas de que já não representa ameaça à segurança dos demais cidadãos. E o que ele faz? Finge-se de bonzinho, de bem-comportado, induz outros presos a praticarem violências e desmandos dentro do presídio, ameaçando matá-los se o denunciarem. Todos, com raras exceções, pela lei ainda em vigor, são libertados após cumprirem um sexto da pena.

Vimos, há pouco, serem condenados a mais de 400 anos de prisão os bandidos que queimaram vivas oito pessoas dentro de um ônibus aqui no Rio. Ao ler essa notícia, o cidadão de boa-fé acredita que a Justiça está cumprido com rigor o seu papel, quando, na verdade, uma tal condenação não tem valor real algum, é simbólica, para inglês ver, já que a lei não permite penas acima de 30 anos. E, como todos os condenados só cumprem um sexto da pena, pode-se dizer que, no Brasil, a pena máxima é de apenas cinco anos, e será agora de apenas 12, matem quantos (inocentes) matarem.
Voltando ao caso dos homicidas que executaram seus benfeitores, da ONG TerrAtiva, impõe-se a seguinte questão: se for verdade que o jovem é levado ao crime por não ter quem o apóie, eduque e lhe dê emprego, como se explica a ação feroz desses três homens que, desde a adolescência, receberam tudo isso? Não resta dúvida que esse fato põe por terra a tese de que a causa única do crime é social e que, eliminada a desigualdade, elimina-se a criminalidade.

Não obstante essa evidência, não devemos concluir que o trabalho social de educação e profissionalização dos jovens carentes seja inútil. Pelo contrário, trata-se de um serviço social de importância inestimável, não porque impeça inteiramente o crime e, sim, por contribuir para a redução da desigualdade e da injustiça.

A criminalidade tem muitas e complexas causas, talvez mesmo seja impossível extirpá-la da sociedade. Não devemos ignorar que, entre os tantos fatores que a determinam, está o caráter do indivíduo, sua índole e até mesmo traços patológicos da personalidade. Há, sem dúvida, pessoas dóceis e afetuosas, como há também pessoas agressivas e cruéis. Por todas essas razões é que a polícia que não apura e não prende, a Justiça que não pune e o sistema carcerário que não reeduca só contribuem para agravar a situação de insegurança em que vivemos todos. Em face das indagações que tal situação suscita, uma providência está fora de discussão: afastar do convívio social aqueles que constituem ameaça à vida e à paz dos cidadãos. Isso não se efetivará se não nos convencermos de que a questão social não é caso de polícia, mas o crime é.

A propósito, é lamentável ouvir do presidente da República que "não devemos lançar toda a juventude à sanha da repressão, com a redução da maioridade penal". A redução é uma questão decididamente controversa, mas alguém deveria explicar a Lula que ela só se aplica aos poucos jovens que tenham cometido delitos graves e não a todos eles, indiscriminadamente.

12 de março de 2007

Homenagem à Mulher!

Com atraso por questões pessoais, mas mantido na lembrança, como manifestação também de cidadania, deixo minha homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado em 08 de março último.

A data é mundial, porém a mulher brasileira, mais que a de qualquer outro lugar do mundo, merece especial homenagem por ser o símbolo da representação feminina.

É ela que reúne numa essência toda a dialética da feminilidade, unindo doçura à firmeza e serenidade à emoção. Sintetiza em sua figura a união de todas as raças e a unificação de todas as culturas. Representa todos os modelos e arquétipos, e apresenta um inigualável: ser mulher brasileira!