Muito se fala sobre o julgamento de Lula, que ocorrerá no próximo dia 24, ser político, mas pouco se comenta sobre a sentença de Sérgio Moro, que será seu objeto.
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Lula e Moro
(imagens: Fernando Frazão/Agência Brasil e Rodolfo Buhrer/Paraná Portal) |
O jornalista Reinaldo Azevedo escreveu para Folha, no último dia 12, apontando tal situação, chamando a ela de covardia da análise política (Leia aqui).
Realmente, é necessário um exame sobre a sentença.
O juiz forma sua convicção a partir da apreciação das provas no processo, ou seja, pesa e avalia cada elemento em conjunto com o todo, para chegar a uma conclusão sobre condenação ou absolvição.
Quando se fala que não existem provas, se está dizendo que os elementos analisados não apontam para a culpa do acusado, i.e., que, diante do conjunto de todos os elementos, não se pode afirmar que ele praticou o crime.
Crime, para o Direito Penal, é um instituto técnico, cuja definição ao logo dos anos veio se estabelecendo a partir de teorias penais. Modernamente, crime é resultado de uma conduta praticada a partir da vontade do agente.
A ação que caracteriza o crime é prevista em lei, normalmente por um verbo que a define. Todavia, a vontade em praticar a ação é concluída a partir do exame integral das circunstâncias que envolvem a conduta. Este exame é determinado por teorias penais.
As teorias penais servem exatamente para dizer como deve ser feito o exame das circunstâncias dos fatos para se concluir se houve ou não o crime e se o agente teve ou não vontade de praticar a ação.
Assim, os elementos colhidos no processo formam o conjunto de circunstâncias sobre os fatos, que serão valorados processualmente para ver se servem como provas. A partir daí, com base em teorias penais, se verifica se aquelas provas caracterizam ou não um crime.
Este é o cerne da questão sobre a sentença de Moro. Por quê?
Porque, como dito acima, as teorias penais servem para dizer se o agente teve ou não vontade de praticar o ato. Moro usa uma teoria penal de origem americana, chamada “Teoria da Cegueira Deliberada”, para justificar a existência da vontade na conduta de Lula.
Por essa teoria, o agente não precisa ter uma vontade clara de praticar o crime. Basta ele não ter tido a cautela suficiente para evitar a conduta ou, pelo menos, suspeitar que estivesse diante de uma possível prática criminosa. É uma teoria de tonalidade moralista, que só serve aos padrões puritanos anglo-saxões e não aos nossos, que seguem modelos germânicos.
Assim, a questão não é que não existam provas para a condenação, mas sim se as provas existentes demonstram ou não, dentro da sistemática exigida por nosso sistema penal, a vontade da prática delitiva.
O que seria questionável na sentença de Moro não é a inexistência de provas, mas o fundamento de análise dessas provas.
Vale dizer, a questão do julgamento deveria ser: é correto o fundamento da análise das provas feitas por Moro? É isto que está em jogo.
Na prática cotidiana judiciária, porém, não se costuma questionar a teoria que moveu determinado magistrado a fundamentar sua condenação. Seguimos ainda teorias antigas, que já não servem, como se fossem as únicas existentes e como se todos concordassem com elas.
O julgamento de Lula seria o momento adequado para tal questionamento. Mas, infelizmente, a covardia impera.