Por Dentro da Lei

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17 de junho de 2011

STF: entre a liberdade de expressão e a liberação da maconha

O STF colocou um ponto final sobre a possibilidade de ocorrer a chamada “marcha da maconha”. Todavia, como ressaltou o relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 187-DF, que tratou do assunto, ministro Celso de Mello, a discussão envolvida era somente referente à liberdade de expressão, mais especificamente, à “liberdade de reunião” e “direito à livre manifestação do pensamento”. Assim, cerca de dois terços (2/3) do voto tratam de explicitar o que sejam tais direitos, apresentando conceitos e elementos que os compõem.

Muito bem! Se antes não havia orientação clara a respeito de tais direitos, agora, nesta ação são estes plenamente apontados. A liberdade de expressão abarca qualquer tipo de manifestação!

Sendo assim, deve-se deduzir que, além da marcha da maconha, outros temas possam ser discutidos, como, por exemplo, a inexistência do holocausto, a legitimidade das idéias de Bin Laden e outros de ordem bastante polêmica. Todos são justificados e legítimos, pois o importante é a forma “liberdade de expressão” e não o conteúdo da idéia que é expressa.

Defender a liberdade de expressão numa democracia constitui em si mesmo uma bandeira até bastante bonita de se ver desfraldada. No caso de nosso país, ela ainda tem tonalidades mais evidentes porque vivemos uma ditadura (apesar desta já ter se encerrado há mais de vinte e cinco anos).

Preciso fazer um parêntesis: não sou contra a liberdade de expressão. Preciso deixar isso claro, porque alguns afoitos podem querer me acusar disso. Aliás, nenhum criminalista o pode ser, pois afinal, para além da liberdade de expressão, o advogado na esfera penal defende a liberdade de defesa de qualquer criminoso, do menos grave ao mais hediondo, lutando, deste modo, pelas estruturas da sociedade, muitas vezes numa posição bastante desconfortável, contra toda a opinião pública. Em diversos casos, isto não é uma bandeira agradável de ser carregada, mas ela vale a pena, pois indo além do politicamente correto, o penalista fortalece muito mais a democracia.

A questão é manter a coerência com a decisão que foi proferida. Se o tribunal constitucional do país decretou que a liberdade de expressão é plena e não admite restrições, isso deve valer para todos os temas.

Vamos ver, assim, quando outros temas forem levantados, se a postura do STF – e daqueles que se arvoram como defensores da liberdade de expressão – se manterá a mesma.

No que tange especificamente à manifestação de um movimento cuja bandeira é a liberação da maconha, por isso “marcha da maconha”, segundo o mesmo ministro “mensagem de abolicionismo penal quanto à vigente incriminação do uso de drogas ilícitas”, chegou-se à conclusão de que tal defesa não constitui apologia ao crime.

Perfeito! Não é apologia. Mas a questão é: num momento em que se discute o banimento de entorpecentes e drogas em geral, como restrição a bebidas alcoólicas e ao cigarro, fazer uma marcha para liberar a maconha, cujo gênero é de estupefaciente, faz sentido?

Além da questão criminal, que na verdade é uma questão de saúde pública – não é a lei penal que veda o uso da maconha, mas uma portaria do Ministério da Saúde que a coloca na classe dos entorpecentes proibidos – não deveria haver uma reflexão sobre efetivamente o significado e a efetividade social da maconha ser “liberada”?

Esta questão expressamente não foi apreciada pelo STF, como acima ressaltado, mas infelizmente, como o tema da liberdade de expressão foi discutido provocado pela marcha da maconha, muitos irão pensar que o tribunal superior é favorável a essa liberação. Este me parece o ponto principal.

A divulgação da matéria não deveria ser sobre a possibilidade de ocorrência da marcha da maconha, mas sobre a possibilidade do direito de expressão ter, com a decisão do STF, alcançado um grau quase absoluto. Aqui reside a importância da decisão. Mas, possível e infelizmente, talvez essa mensagem fique escondida sob a bandeira da liberação da maconha.


Publicado orginalmente no Última Instância (para ler, clique aqui)

Leia também Marcha da maconha: descriminalização ou apologia?

13 de junho de 2011

Processo penal mais eficiente e humano

Márcio Thomaz Bastos e Pierpaolo Cruz Biottini


Recentemente, foi sancionada - após dez anos de tramitação - a lei nº 12.403/11, que trata da prisão preventiva e de outras cautelares penais, merecedora de atenção.

A legislação processual penal brasileira é antiquada. Além de contribuir para a morosidade das discussões, guarda resquícios de modelo autoritário, ultrapassado e pouco afeito a garantias individuais. A racionalidade e a eficiência na aplicação do direito penal exigem um novo marco legal, que evite a eternização dos debates e a impunidade pela prescrição, mas que, ao mesmo tempo, assegure direitos fundamentais e a dignidade daqueles que são acusados mas ainda não foram condenados.

A nova lei segue essa lógica ao regulamentar as medidas cautelares pessoais no processo penal. Cautelares pessoais são aquelas decisões do juiz, tomadas durante o processo, para impedir que o réu destrua provas, intimide testemunhas ou impeça a execução da pena, sempre que existam veementes indícios desses elementos.

Até agora, para assegurar a ordem no processo, o juiz dispunha de uma única cautelar: a prisão preventiva. O sistema processual vivia uma medíocre dualidade: ou o juiz decretava a prisão do acusado ou não determinava medida alguma.

Muitas vezes, a simples apreensão de um passaporte seria suficiente para impedir a fuga do réu, mas o juiz não dispunha dessa alternativa - ou prendia o acusado ou não agia. Agora, o Código de Processo Penal possibilita o uso de várias outras medidas menos agressivas que a prisão para controlar a ordem processual.

Permite-se, dentre outras, a suspensão do exercício de função pública, a decretação de prisão domiciliar, a proibição de acesso a determinados lugares ou de manter contato com pessoas específicas e o monitoramento eletrônico, usado para controlar o cumprimento das medidas fixadas pelo juiz.

A prisão preventiva continua prevista, mas deixa de ser a cautelar única. Seu uso será limitado aos casos mais sérios, sempre que o juiz constate grave tumulto à ordem processual causado pelo réu ou quando as outras medidas tenham sido descumpridas.

Além de assegurar a proporcionalidade, a nova regra contribui para diminuir o impressionante número de presos provisórios no Brasil - 32% dos 470 mil presos são provisórios, sendo que tal número cresceu 247% nos últimos dez anos.

Outra novidade que merece destaque e atenção é a salutar proibição da decretação de prisão preventiva nos crimes punidos com pena igual ou inferior a quatro anos.

A inovação faz todo o sentido. Os condenados por esse tempo de prisão não vão presos ao final do processo. Sua pena, pela lei, é substituída por restrição de direitos. Ora, se mesmo com a condenação o réu não será preso, não é lógico restringir sua liberdade durante o processo, antes da decisão final do juiz.

Em síntese, as novas regras não apenas concretizam direitos fundamentais como conferem racionalidade ao sistema processual. Evitam-se longas discussões sobre a qualidade das medidas cautelares, e, ao mesmo tempo, não se banaliza a prisão, reservada a casos mais graves, aos réus mais perigosos.

O processo judicial brasileiro ainda precisa de transformações, mas a nova lei é bem-vinda: ela é mais um passo em direção a um sistema penal mais célere, razoável e civilizado.
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Márcio Thomaz Bastos, advogado criminalista, foi ministro da Justiça (2003-2007).

Pierpaolo Cruz Bottini, advogado, é professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-2007).

Transcrito do jornal “Folha de S.Paulo” (10/06/2011; A3)

5 de junho de 2011

Peter Häberle e a hermenêutica constitucional

Nesta semana a entrevista do jurista alemão Peter Häberle trouxe à tona a questão hermenêutica, a qual é atualmente um dos pontos principais da temática filosófica e jurídica.


Esta última, tem se destacado tanto que alcança até mesmo programas de concurso em algumas carreiras públicas. Porém, algumas vezes, a divulgação excessivamente rápida implica numa diluição do conteúdo teórico da doutrina, fazendo com que seu entendimento e sua consequente prática sejam deficientes.

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