Por Dentro da Lei

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27 de maio de 2008

Subjetividade e intersubjetividade: distinções e implicações hermenêuticas

Não pretendo abordar as novas reviravoltas do caso Isabella nesta semana, por isto, aproveito para responder neste espaço a uma dúvida de alguns colegas sobre a distinção entre abordagens filosóficas que consideram a subjetividade e a intersubjetividade, da qual decorrem implicações hermenêuticas importantes.

A idéia de subjetividade nasce de perspectiva advinda da modernidade filosófica, de linha iluminista de origem cartesiana. Estabelece relação “sujeito/objeto” na qual o conhecimento é dado pela idéia num movimento interno da razão, da mente ou da consciência e a linguagem é um instrumento, um meio também dado de expressar a idéia, a qual funciona como essência de tudo.

Busca uma verdade objetiva ou absoluta (conhecimento puro), a qual sempre existe, bastando encontrar sua essência ou substância essencial, por um critério racional específico. Cada pensador desta perspectiva possui o seu modo particular de estabelecer a objetividade, por meio de método próprio. Em comum, não aceitam as “impurezas” qualquer que seja a denominação tal como ideologia, pré-compreensão, pré-juízos, horizontes, cosmovisão, rede de linguagem, comunicação intersubjetiva, relações culturais.

A razão é instrumento de separação e medida de ordem lógica, trabalhando com comparações por sobreposição. A justificação racional da verdade é fornecida pela razão do sujeito que alcança a idéia da essência dentro de sua mente e a partir daquela faz associações, agregando conhecimentos. A realidade é um objeto do mundo que já existe independentemente do sujeito e este precisa observá-la para dela retirar a essência, configurando a experiência vivida como um experimento concreto (experimentos físicos) ou abstrato (experimentos de sensações ou sensibilidade). O experimento precisa de condições ideais puras para ser repetido e a conclusão racional ser sempre a mesma.

Acaba no campo das ciências sociais ou humanas por usar retórica silogística e cria categorias de idéias resultados de experimentos que são apropriadas pelo agente conhecedor, fazendo dele uma autoridade sobre aquele tema, permitindo, pois, principalmente a transmissão do conhecimento por via do argumento de autoridade, de cunho dogmático. No campo específico da hermenêutica, busca uma essência também quanto ao significado da palavra ou do discurso, necessitando de método instrumental analítico-retórico.

Já pela perspectiva da intersubjetividade, o conhecimento depende de outras pessoas e a idéia não é dada pela mente, mas pelo uso da palavra numa determinada comunidade, em práticas coletivas. Aceita, por isto, as “impurezas” e trabalha com elas, considerando o conhecimento não como um dado da idéia, mas como fruto da relação interpessoal ou intersubjetiva, a qual, por sua vez, é produto da linguagem, vista não como instrumento, porém como uma prática lingüística de uso comum. A verdade nunca é subjetiva, pois não se forma nenhuma essência e não se considera o agente conhecedor como sujeito (sub jectum = o que jaz dentro) cuja mente filtra essências, mas como um ser vivente ou existente na linguagem, que só existe na ação praticada em comunidade.

Em virtude de considerar a vivência, o objeto do conhecimento é sempre aquilo que aparece (fenômeno), porém sem necessidade de ser internalizado na mente, logo, a experiência é sempre uma vivência retirada ou recolhida da comunidade à qual pertence o agente conhecedor. A verdade é sempre relativa, mas o critério de verdade não é o agente ou sua mente e sim a convicção de verdade recolhida pelo agente dentro da comunidade.

A justificação da verdade depende das práticas sociais comuns e é sempre fornecida concretamente por modelos situacionais ou por situações, variando o critério da simples existência até a mais ampla comunicação. A situação funciona como modelo para uma analogia de ponderação (recolhimento e sopeso) e não como moldura. A razão não é instrumento de medida, mas de recolhimento, de colheita do significado do discurso num primeiro momento e de sopeso, ponderação de encontro do sentido diante da prática comum, num segundo momento.

O horizonte ou a atmosfera em que está inserido o agente é considerado em sua ideologia, crenças, conceitos, pré-conceitos e cosmovisão, que auxiliam no balanceamento do sentido, não precisando ser afastados. O significado do discurso coletivo já não tem uma essência, mas apenas sentido, por isto a atividade do agente conhecedor não é analítica, mas hermenêutica em si mesmo, dependendo ou do discurso pragmático ou da compreensão da atmosfera lingüística vivenciada. Seu instrumental é a analogia por ponderação do discurso, funcionando a dogmática apenas como elemento de partida, permitindo o constante questionamento do discurso e buscando sempre uma finalidade social-comunitária dentro da mesma comunidade. Não há retórica argumentativa, mas uma sintaxe argumentativa no sentido de estruturar e organizar hermenêutica ou pragmaticamente a polifonia do discurso. Há uma análise “poiética” (criativa) do discurso a permitir ou a hermenêutica ou a pragmática lingüística.

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