Por Dentro da Lei

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10 de novembro de 2006

O aborto é crime no Brasil?

Alguns projetos de lei visam alterar o Código Penal para descriminalizar o aborto. Sua principal justificativa parece residir nos altos índices de mortalidade de gestantes não adequadamente atendidas quando em situação de abortamento. Se o aborto não constituísse crime, tudo seria resolvido.

Se esta idéia lastrear o projeto, a mudança não é de modo nenhum essencial. Na verdade, ousa-se afirmar que o aborto não é crime perante o ordenamento jurídico. Com efeito, no aspecto legal, tem-se quatro modalidades de aborto: o natural; o necessário; o sentimental e o ilícito.

O aborto natural é aquele que ocorre por circunstâncias biofisiológicas, sendo involuntário à gestante, que normalmente pretendia a continuidade da gravidez. Este caso por óbvio não tipifica o crime de aborto.

Necessário é o aborto assim chamado quando praticado se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, a não ser com o sacrifício do feto. Embora a lei diga simplesmente que não será o fato punido, na verdade, se está diante de uma causa excludente de antijuridicidade, a qual implica dizer que não há crime, pela ausência de um de seus elementos constitutivos. O aborto necessário também é denominado terapêutico ou curativo e não configura crime.

O aborto sentimental é aquele que pode ocorrer quando a gravidez tiver origem num ato de violência contra a mulher, vítima neste caso de crime contra sua liberdade sexual, configurado basicamente pelo estupro. A lei penal em consideração a integridade sentimental da mulher permite o aborto, dizendo que ele não é punível. Verifica-se ainda a ausência de antijuridicidade como no caso anterior e o fato não é considerado criminoso. O aborto sentimental recebe a denominação de humanitário, moral ou ético, em face de tentar diminuir os reflexos negativos da violência à recuperação da mulher. E não constitui crime.

As três modalidades acima não tipificam qualquer ilícito penal e, assim, podem ser atendidas as gestantes que se apresentarem para socorro em situação de abortamento, sem qualquer implicação de natureza penal.

O único tipo ilícito de aborto é aquele provocado pela gestante ou por terceiro, seja médico ou não, com ou sem consentimento, motivado por outra circunstância que não as acima tratadas. Criminoso é o aborto provocado sem finalidade terapêutica ou sentimental, sem visar proteção da vida física ou moral da gestante. Ele é gerado pela insegurança, pelo medo, pela irresponsabilidade, pela falta de informação e pela falta de apoio individual e social. Enfim, sua causa não é natural, terapêutica ou humanitária, mas de natureza sócio-econômica.

A gestante, nesta situação, encontra-se isolada, sem amparo, sem perspectivas, sem horizontes, abandonada mesmo pelo companheiro que, em momentos anteriores, sob a proteção da intimidade, mediante suaves carícias, prometia-lhe a luz das mais distantes estrelas.

Diante de tal quadro não sabe ela qual resposta oferecer e busca a irresponsável via criminosa, porque ser responsável não é comportar-se de acordo com um quadro ético-jurídico predeterminado, mas sim saber qual resposta apresentar diante de uma dada situação. Porém, a gestante em sua posição de abandono não enxerga caminhos. E a saída mais simples é eliminar a inocente vida potencial que se apresenta como a fonte do problema. Então se tem o aborto sócio-econômico.

Se a questão for evitar a mortalidade feminina em face do abortamento, o projeto de descriminalização é dispensável porque, como visto, em três modalidades contra uma, o aborto não é crime no ordenamento jurídico brasileiro. E as gestantes podem ser atendidas. Resta apenas saber se a administração da saúde tem condições de atendê-las.

3 comentários:

Lily disse...

é dispensável tal projeto, em virtude da gestante merecer a pena de morte (constitucionalmente proibida), tendo em vista o ato de irresponsabilidade cometido? Pois as estatísticas comprovam o alto índice de mortalidade em abortos clandestinos. Ou é desnecessário haja visto o grande mercado internacinal de crianças existente ou ainda na abundância de vagas nas fundações casas existentes no Brasil para a grande maioria das crianças indesejadas ou desamparadas, que infelizmente acabam levando este triste destino? Sei que o Dr. possui uma brilhante carreira, que inclusive admiro, mas a legislação brasileira e principalmente este sistema arcaico e debilitado deve realmente colocar ex-gestantes irresponsáveis, as que sobrevivem ao aborto, junto com pessoas perversas que cometem crimes como latrocínio, roubo e homicídio(olhando nos olhos) dentre outros hediondos e equiparados? Desculpe, mas a filosofia do direito neste país é totalmente incompatível com a realidade... as estatísticas estão aí para comprovar.

João Ibaixe Jr disse...

Prezada Lily

Agradeço seu comentário ao texto e suas palavras sobre minha carreira. Quando falo em desnecessidade do projeto, refiro-me à questão de não atendimento das gestantes que dão entrada em hospitais públicos e para as quais são apresentadas desculpas pelo não atendimento diante da situação do aborto ser considerado crime. No texto, afirmo que o aborto não é crime em três modalidades, sendo considerado como tal apenas naquela que chamei de socioeconômico, o qual é praticado quando a gestante se encontra numa situação de desamparo social ou econômico, gerada por fatores múltiplos e diversos. Ou seja, não há uma preocupação com a gestante em si, mas apenas com o fato de se evitar problemas. Vale dizer, o problema da gestante, que se encontra diante de um possível aborto socioeconômico, é a simples eliminação do feto. Minha pergunta é: será que isto resolve realmente a vida daquela mulher que se encontra em tal situação? Quais são as efetivas dificuldades pelas quais ela passa? Por que não há interesse em que ela receba uma formação mais adequada para ter uma vida sexual mais segura, não só quanto a evitar a gravidez, mas outros problemas também possivelmente decorrentes? No texto há uma denúncia contra a solução de problemas extremamente complexos pelas vias consideradas mais simples e que acabam conduzindo a uma desvalorização do humano, da própria gestante como mulher. Neste aspecto, a filosofia do direito e o direito penal devem ser sempre instrumentos de leitura da realidade, que permitam sempre a valorização do ser humano em todas as suas dimensões. E nisso, muitas vezes as estatísticas não trazem dados adequados para se trabalhar. Mais uma vez, agradeço sua participação.

Anônimo disse...

se eu ja tiver um filho.
e caso engravidar e nao querer ter essa criança eu posso recorrer a um medico e pedir lhe que me passe pra fazer algum tipo de procedimento abortivo eu posso?
abortar dessa maneira sem que decumpra a lei?