Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

23 de fevereiro de 2008

Os “Tribunais” do PCC

Investigações de policiais paulistas por meio de escutas demonstraram que o denominado Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa nascida da organização dos detentos em presídios em meados da década de 1990, já vem alcançando escala de atuação ainda mais estruturada.

Tendo começado por resolver questões envolvendo disputas entre presos nas cadeias no interior do Estado, a facção passa agora a decidir situações de conflito na capital, assumindo papel que deveria ser efetuado pela Polícia e pelo Judiciário, criando assim, a figura de tribunais paralelos. A pior e mais profunda gravidade é que já se têm notícias de julgamentos de casos cujas partes não são pessoas ligadas à facção, conforme dados policiais divulgados pela mídia.

A situação é insólita, absurda, possui efeitos de extrema seriedade e é, sem dúvida, trágica. Contudo, infelizmente, não é totalmente inesperada. Havia anúncios de que esse poder paralelo surgiria, diante da incontestável crise do sistema prisional e da montagem de uma estrutura organizada pelos presos, cuja primeira ação orquestrada a cidade de São Paulo, há dois anos atrás, testemunhou. Mesmo assim, em todas as oportunidades em que é instado a fazê-lo, o governo nega a existência de qualquer organismo criminoso de tal natureza, como se a negação da realidade – gesto comum na política brasileira e na vivência dos pusilânimes – tivesse o condão de produzir seu desaparecimento. Não admitir o real efetivo é simplesmente adiar suas – nefastas, como no caso – conseqüências.

O sistema prisional está em crise! O poder judiciário está em crise! O primeiro não pune nem ressocializa e o segundo não decide!

Se houvesse pelo menos a vaga idéia de punição, nenhum preso teria a coragem de revolver sequer tentativas com fins de se unir como grupo social. A teoria de que a pena pode punir o sujeito como exemplo de conduta ou como mal pelo crime praticado, desenvolvida pelo Iluminismo no século XVIII, já nasceu furada para a figura do Estado de Direito de então e, hoje, diante da sociedade do século XXI, com a tal propagada pós-modernidade, com a não compreensão do verdadeiro sentido da expressão direitos humanos – cujo conceito é muito mais profundo do que pregam alguns de seus pretensos defensores –, não poderia nem mesmo ser mencionada como finalidade da sanção penal.

A sociedade para sobreviver em face do estágio da criminalidade atual precisa e urge compreender que a chamada ressocialização não é alegre bandeira de uma vanguarda humanista – embora haja inegável e infelizmente certa ala prazenteira, nascida no Brasil no período pós-ditatorial, que confunde autoritarismo com autoridade, democracia com irresponsabilidade, pré-compreensão com preconceito e criminalidade com exclusão.

O criminoso hoje não é um excluído. Ele é um incluído num outro sistema, um subsistema do sistema maior que é a sociedade, com regras e normas de conduta próprias, além de práticas peculiarmente respectivas. Ou seja, a criminalidade atual possui uma dinâmica social dela mesma, derivada daquela pertencente ao âmbito maior da sociedade. Se isto não for compreendido, jamais se conseguirá dar um passo a qualquer solução do problema. Ressocializar é bem diferente da denominada atitude de agregar minorias, todas no mesmo caldeirão, tendo por fim educar o pobre criminoso.

Na verdade, ressocializar é técnica a permitir migrar o preso do subsistema a que pertence para o subsistema chamado normal. É no subsistema normal que estão os excluídos que não pertencem ao subsistema criminoso. São estes excluídos que agora estão procurando os órgãos de jurisdição do PCC para satisfação de conflitos. Tais tribunais do PCC nada mais são do que a concretização objetiva da acima mencionada dinâmica social, que se estrutura em dois níveis, um de esfera mais abstrata e outro de esfera mais concreta. Lamentavelmente para alguns verdadeiramente excluídos são a única real Justiça que conhecem.

14 de janeiro de 2008

Ano Novo e consciência de cidadania

Inicia-se mais um ano e novos projetos pessoais idealizados passam a ser trabalhados a fim de se tornarem realidade. Uma das dimensões de nossos projetos, porém, não pode ser esquecida: é a dimensão da cidadania. Ela exige de nós que tenhamos a consciência de incluirmos em nossas propostas aquelas realizações que atendam ao chamado bem comum.

Isto significa que devemos nos lembrar da importância de nossa participação na vida social, a qual pode ser efetivada de maneiras diversas, por exemplo: com a verificação dos resultados obtidos por aqueles que elegemos a algum cargo político; com o acompanhamento dos trabalhos da mídia, filtrando as informações relevantes; com a participação em alguma comunidade do bairro em que moramos, que possuam objetivos sociais concretos e verdadeiros; e principalmente estando atentos àquilo que nos choca mais diretamente na vida da cidade e nos permite criar ideais de luta comunitária.

Não estou defendendo a incursão leviana em bandeiras prontas, algumas das quais bastante falsas. Falo daquilo que diz respeito efetivamente ao nosso espírito, que nos provoca e nos motiva a lutar por nós mesmos e pelo outro. As ações em si não precisam ser grandiosas, precisam ser eficazes, mesmo configurando condutas menores, desprovidas de glamour, arroubo ou atração.

Importante mesmo é termos ciência dos problemas que nos cercam e, enquanto nos realizamos com a concretização de nossos projetos, não esquecermos de que só podemos realizá-los no espaço onde vivemos. Sem este espaço e sem a respectiva convivência com outros não há campo para desejos, sonhos ou projetos.

1 de dezembro de 2007

Criminalidade Cultural - quais são as raízes da criminalidade?

Quais são as raízes da criminalidade? É possível estabelecer-se um modo de observação que caminhe para além dos sempre repetidos fatores de pobreza e ausência de formação?
Na tentativa de responder a esta pergunta, elaboramos texto que foi publicado no portal jurídico Última Instância.
Para ler, clique no link abaixo.

Criminalidade cultural

31 de outubro de 2007

Existe hermenêutica jurídica em Heidegger?

A pergunta me foi apresentada e eu gostaria de convidar os colegas a uma reflexão, uma reflexão aberta, pois o pensamento não tem dono e se oferece a quem queira recolhê-lo.

A reflexão é proposta a nós, operadores do Direito, que em nossa atividade diária, independentemente da área em que atuemos, trabalhamos com uma ferramenta comum: a hermenêutica, vale dizer, a interpretação das leis.

Se verificarmos com cuidado, mesmo ao abrirmos os jornais, defrontamo-nos com decisões que às vezes atentam até mesmo contra o bom senso mais singelo, trazendo à luz a crise pela qual passa o direito moderno, uma crise cujo fundo comum se deita sobre o uso de nossa ferramenta de trabalho. Não é o bom ou o mau uso, mas a própria ferramenta que se encontra desgastada e é chegado o momento de questioná-la.

Sabemos que, com algumas variações, trabalhamos com um modelo de interpretação chamado de subsunção, pelo qual adequamos um fato à norma, atuando esta como uma “moldura” a enquadrar a realidade trabalhada. Para tanto, usando um tradicional método lógico-formal, extraímos um “significado” dessa norma e ele passa a ser o quadro no qual o fato deve ser emoldurado.

Há uma preocupação atual para se buscar outro modelo, isto é fato. Como Heidegger pode nos ajudar, já que ele é filósofo e não jurista?

Heidegger nos apresenta, principalmente em seu trabalho inacabado “Ser e Tempo”, um outro modo de nos relacionarmos com a realidade. Sua proposta é simples, o que não significa fácil, referindo-se a nos aproximarmos da realidade que nos cerca de um modo “total” ou “integral”. Vale dizer, nós não somos unidades entificadas, colocados num mundo entificado, cercados de “coisas” também entificadas, como se tudo se apresentasse em “compartimentos".

Nós não teríamos então diante de nós um carro, a atmosfera, um pensamento, o corpo, a lei, uma pessoa, um sentimento, uma realidade, o tempo. Nós estaríamos envolvidos, dentro e fora, ao mesmo tempo, em tudo isto. Nós seríamos como unidades, sim, mas unidades envolvidas numa enorme atmosfera de tudo aquilo que nos cerca.

Não seríamos apenas corpo e mente, mas sim corpo, mente, introspecção e extensão, tudo ao mesmo tempo, no mundo, no qual o próprio tempo já está inserido e no qual nós já estamos inseridos e ele (tempo) em nós.

Nesta enorme atmosfera que somos, somente aparecem as coisas às quais nós dedicamos nossa atenção, por meio de uma “decisão de observar”, por isto, fenômeno (aquilo que aparece para nós).

Para nos relacionarmos com os fenômenos, com as coisas que aparecem e integram essa nossa grande atmosfera da qual fazemos parte e somos, usamos uma ferramenta. Esta não é a “razão”, aquela instrumental, que nos separa em pensamento e sentimento, em corpo e espírito, que nos divide de nós e em nós mesmos.

A ferramenta proposta por Heidegger é o “logos”, palavra grega de significado profundo e diverso, embora análogo, ou seja, com uma unidade de sentido. Para nos relacionarmos com a realidade que somos, da qual fazemos parte e que se nos apresenta, usamos o “logos” no sentido de discurso, ou ainda, “razão discursiva”.

Usamos o “logos” porque toda a atmosfera que nos cerca, da qual fazemos parte e que se nos aparece tem um “significado”, uma significação, uma significância e, por isto, toda ela é interpretada. As coisas não são simplesmente, elas são interpretadas, são lidas, há uma leitura da realidade constantemente.

Por isto a fenomenologia heideggeriana é uma “ontologia”, porque ela faz o “logos” do “ontos”, ou seja, a leitura (discurso) do ser da realidade. Quando há leitura, há interpretação, logo, tal filosofia é hermenêutica.

Esta é a lição de Heidegger que para nós, operadores do Direito, pode ser aproveitada. Toda a atividade do operador do Direito é uma leitura da realidade. Um dado fato ou uma situação (porque envolve espaço, tempo e atores ou partes), uma “causa” ou “causo” tem necessariamente que ser lida no todo da atmosfera em que ela se nos apresenta, em seu todo de realidade que inclui a norma social que a regulamenta.

A pergunta, então, é: como transformar isto num método, ou seja, num caminho seguro que nos dê condições de lermos a realidade?

Este é o trabalho de reflexão que convido a todos que pacientemente leram este texto. Este é o nosso trabalho de operadores do Direito. A nossa missão. Era a finalidade do projeto Nuesis (tanto a sigla quanto seu conteúdo têm um significado), que independente do nome que tenha, espero que não morra jamais.

21 de agosto de 2007

Operador do Direito em crise

Por ocasião da comemoração de instalação dos cursos jurídicos no Brasil, lembramos da urgente necessidade se fazer uma reavaliação da atividade principal do Operador do Direito que é a interpretação das leis, chamada de hermenêutica jurídica.

Levantamos questões e propomos algumas respostas num texto publicado no portal jurídico da UOL, o jornal eletrônico Última Instância.

Para ler, clique aqui

15 de julho de 2007

PAC da Segurança Pública

Temos trabalhado para demonstrar que a criminalidade não é apenas uma questão de ordem social, ou seja, não pode ser analisada apenas pela relação capitalXtrabalho e riquezaXpobreza. Estão presentes fatores complexos que exigem para o combate à violência a consideração de outros componentes complexos que se relacionam em rede.

Ao que parece, as ações governamentais estão começando a concordar conosco. Prova disto é o lançamento neste mês pelo Ministério da Justiça do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), também denominado PAC da Segurança Pública. No programa estão presentes estratégias para combater também as chamadas causas "culturais" do crime, denominação que também utilizamos.

Participamos de uma entrevista na Rádio CBN no último dia 09 de julho para discutir o lançamento do programa, cuja formatação final deve ser apresentada até o fim deste mês.

Para ouví-la, clique

9 de julho de 2007

Investimentos sociais contra a criminalidade

O Governo Federal, mediante o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vai disponibilizar verba de aproximadamente R$ 300 bilhões para investir no que se está chamando de projeto de urbanização de favelas no município do Rio de Janeiro, com o objetivo principal de reduzir a criminalidade.


A iniciativa é importantíssima e o modo como vem sendo trabalhada e divulgada demonstra que o combate à criminalidade deve partir de um projeto amplo, bem elaborado, que considere fatores diversos e não apenas a pobreza ou a falta de meios educacionais. Criminalidade elevada é um fenômeno complexo que exige análise dos elementos constitutivos, eles mesmos complexos e de relacionamento integrado em forma de rede.


Assim, para dar certo, o plano de combate precisa levar em conta, pelo menos cinco sistemas, a saber: sistema policial de segurança; sistema carcerário; sistema judicial; sistema legislativo e sistema social. Os investimentos do PAC referem-se ao último e dele se falará um pouco.


Como referido acima, a visão de que o crime nasce somente da pobreza é incorreta, bem como a noção de que é fruto somente da ausência de educação. Há outros fatores intrínsecos que precisam ser considerados e o maior exemplo disto são os recentes casos de jovens de família de classe média, que têm recursos financeiros e gozam de boa educação e aparecem na mídia como autores de crimes graves. Se a pobreza ou a ausência de educação fossem os únicos fatores, tais jovens não praticariam crimes.


As raízes da criminalidade são mais profundas do que uma análise social relativa a questões meramente de disputas de classes (pobres X ricos) poderia compreender. Assim, tem-se que buscar tais respostas num outro modelo de análise, que se chamará aqui de criminalidade cultural e sobre ela se continuará a falar. em outra oportunidade.

10 de junho de 2007

Judiciário e interpretação do Direito

Um dos grandes problemas atuais do Direito e da legislação refere-se à interpretação das leis. Os operadores do Direito permitiram tornarem-se engessados por formalismos contra os quais a sociedade já começa a se revoltar. Exemplo deste grito por uma nova hermenêutica é fornecido pelo jornalista Carlos Alberto de Franco no artigo " A hora do Judiciário, publicado no Estado de São Paulo do dia 04.06.2007 (A2), do qual se citam trechos referentes e cuja íntegra pode ser lida no link http://txt.estado.com.br/editorias/2007/06/04/opi-1.93.29.20070604.6.1.xml?
A Hora do Judiciário
"(...) é preciso (...) ter a coragem de denunciar as dramáticas consequências que podem advir do formalismo técnico que tem dominado amplos setores do Judiciário. Apoiados em princípios jurídicos verdadeiros e nas melhores intenções, alguns magistrados estão perdendo conexão com a vida real (...)"
"(...) Alguns setores do Judiciário evidenciam uma notável dificuldade de captar a gravidade da situação brasileira. O apego à letra da lei está bloqueando o fluxo de oxigênio que pode salvar o paciente (...)"
"(...) O que se espera de nossos magistrados é uma fina capacidade de discernimento, uma sensibilidade para fazer justiça interpretando a lei. Sei que para muitos, consciente ou inconscientemente influenciados pelo positivismo jurídico, pode parecer uma temerária heresia falar em interpretação social da lei (...)"
Prezado Carlos Alberto, prezados colegas operadores do Direito (não apenas magistrados) e prezados concidadãos brasileiros: Não é uma heresia falar-se em interpretação social do Direito. É um desafio!
Social significa primordialmente "da ou para a sociedade". Precisamos trabalhar com urgência para a compreensão do que numa realidade efetiva significa interpretar o direito para a sociedade e não para o Direito mesmo.

3 de junho de 2007

Ministério Público e investigação policial

Recentemente abriu-se mais uma vez a polêmica em torno do poder de investigação pelo Ministério Publico (MP), por força de resolução aprovada pelo Conselho Nacional do MP que torna mais efetivo tal controle, mas não autoriza a investigação pelo referido órgão.

Num Estado de Direito, como pretende ser o nosso, os mecanismos policial e judiciário devem apresentar-se com transparência aos cidadãos para que haja a devida segurança e confiança no trabalho das instituições públicas.

A investigação policial deve se realizar com clareza, traduzindo-se em meios documentais precisos e adequados a sua finalidade de propiciar um juízo de acusação. O MP tem a nobre missão desta análise e já pode acompanhar inquéritos policiais instaurados (podendo inclusive requisitar sua instauração) porque exerce o controle externo da atividade policial nos termos constitucionais e legais. Vale dizer, o MP é o advogado da sociedade, cuja função é agir com rigor e isenção de ânimos (a evitar a odiosa vendeta) para promover a acusação e buscar a condenação dos realmente culpados.

Sua atividade, no processo penal, é parcial em virtude de seu compromisso com a sociedade. Já o Juiz e o Delegado possuem funções imparciais de elaboração de decisões diante de fatos. O juízo (entendido como decisão) do MP é tendencioso e tem que o ser, porque é o órgão a amparar a sociedade. A dúvida sobre determinados fatos impede a condenação, mas para o MP obriga à acusação.

Assim, na realidade, as funções policiais e ministeriais não devem ser alteradas, permanecendo a presidência do inquérito com a autoridade policial, mediante o controle do MP, devendo, isto sim, haver um maior compromisso dos integrantes das instituições com o cidadão, este o único e verdadeiro gene fundamental de todas elas.

23 de maio de 2007

PAC e Direitos Humanos

Em recente palestra proferida para os alunos do mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), o Dr. José Gregori, atual coordenador da Comissão Municipal de Direitos Humanos e ex-Ministro da Justiça declarou que após a leitura do PAC (Projeto de Aceleração do Crescimento) surpreendeu-se por não constar em nenhum momento qualquer projeto referente a direitos humanos e, mais, sequer a expressão direitos humanos era utilizada no documento. A questão que fica é: pode haver crescimento sem uma efetiva preocupação com a real dignidade da pessoa humana, que no Estado de Direito é representada por um rol de garantias denominadas direitos humanos?