Por Dentro da Lei

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20 de janeiro de 2021

Processo Penal e Pesquisa Científica: o que eles têm em comum?

Quais seriam as relações possíveis entre o processo penal e a metodologia da pesquisa científica? Será que um paralelo entre eles nos ajudaria a compreender melhor o que se quer dizer quando as pesquisas são inconclusivas? O presente artigo tenta responder tais perguntas.

 


Como os profissionais e estudantes de direito sabem e as pessoas em geral acompanham pelas leituras da mídia, o processo penal é a disciplina jurídica que trata dos mecanismos do que se convencionou chamar de investigação criminal.


Esta investigação normalmente é dividida em duas fases, a inicial, geralmente feita pela chamada polícia e a processual, efetivada pelo judiciário.


Na maioria dos demais países, existe um sistema misto, em que a fase inicial é coordenada por um magistrado de instrução (na América Latina, nossos vizinhos têm a chamada Fiscalía). No Brasil, há um sistema específico, com a figura do delegado de Polícia, que coordena as investigações. Estas investigações, aqui no nosso país, são colecionadas num documento oficial, denominado inquérito policial. Quando se encerra a investigação inicial, da fase policial, o inquérito, depois de cumpridas certas formalidades legais, é encaminhado ao Ministério Público, onde um promotor de justiça irá examinar o cabimento da denúncia (nos demais países da América Latina, este papel é exercido pela própria Fiscalía).


Aqui se inicia o tema de interesse e destaque deste artigo.


Para se apurar a autoria do crime e condenar o suposto criminoso, realiza-se a segunda fase da investigação criminal, que é a da esfera judicial, por meio de um processo criminal, presidido por um juiz, representante do Poder Judiciário.


Este momento de apuração do crime e do criminoso chama-se processo de conhecimento, porque o juiz irá conhecer dos fatos, receber informações sobre eles, analisá-los e chegar a uma decisão final, que é a sentença.


Nas aulas de processo penal e nos bons manuais, aprendemos que uma investigação criminal judicial segue um percurso de três fases, a saber:


1. Fato (ou hipótese)

2. Verificação (provas a serem produzidas)

3. Conclusão (“verdade”, entre grossas aspas)


O fato apresentado é a hipótese dada pelo promotor na denúncia, na qual descreve por meio de uma narrativa as circunstâncias do ocorrido, os detalhes possíveis, a conduta praticada pelo acusado e a possível infração que este tenha praticado. Esta hipótese é a formalização de uma crença suportada pelo promotor, a partir dos dados iniciais apontados no inquérito policial, de que os fatos foram praticados daquela maneira pelo acusado e, portanto, este deva ser responsabilizado pelo crime.


A segunda fase é composta da verificação. Esta se traduz no que se costuma chamar de instrução criminal, vale dizer, o momento em que são produzidas provas que irão sustentar os fatos e a crença do promotor, formalizada na denúncia. Há, obviamente, todo um ritual procedimental para isto, mas são as provas o componente que fundamentará a acusação. Provas são todo o tipo de elementos, tais como, depoimentos de testemunhas, documentos, materiais diversos, laudos periciais e outros, que irão compor o processo, dependendo da natureza e complexidade do caso.


Finalmente, na fase final, chega-se à conclusão do processo, quando o juiz irá decidir sobre a culpa ou não do acusado. No processo penal, à hipótese da denúncia cabe somente este juízo de valor, a saber: culpa ou absolvição do acusado. Não é feito qualquer outro tipo de juízo sobre ele. Muitos, inclusive confundem esta questão e fazem um juízo moral do acusado, o que não é cabível. 


Nesta fase, uma doutrina mais antiga costuma dizer que o juiz alcançava a “verdade real”, isto é, aquela que tinha efetivamente ocorrido, contrapondo-a com a chamada “verdade formal” do processo civil. Hoje em dia, somente autores desatualizados falam isto (sobre o tema, recomendo o livro de Auri Lopes Jr., no capítulo respectivo). Atualmente, a "verdade" é apenas e tão-somente uma leitura possível do evento a partir das provas, a permitir que o juiz profira uma sentença sobre o caso. Se forem provas robustas, há a condenação, se não o forem, a absolvição.


A descrição acima das fases do processo penal nos permite um paralelo com a metodologia da pesquisa científica em geral, a qual não difere muito deste procedimento.


Como nos ensina a literatura sobre o tema, o cientista formula uma hipótese, a partir de uma observação, por meio de uma ou mais perguntas, busca efetivar os meios de produção de prova cabíveis e tenta encontram uma conclusão possível que responda à hipótese formulada.


A hipótese é aquela que o cientista irá tentar demonstrar com sua investigação, enquanto as provas a serem produzidas são aquelas adequadas ao tipo de hipótese formulada e que lhe permitirá chegar a uma conclusão do trabalho. Os métodos para produção da prova são variados, podendo, grosso modo, serem divididos em analíticos e experimentais. Em certas áreas do conhecimento, como a da saúde, por exemplo, o método experimental é muito importante.


Quando as provas são fracas, a conclusão é de que não há comprovação científica da hipótese. Nos trabalhos sérios, todo procedimento é descrito minunciosamente e publicado em revistas especializadas, para conhecimento da comunidade científica.


Hoje vivemos um momento em que muitos apresentam como verdadeiros certos fatos, que foram investigados cientificamente e não passíveis de comprovação. 


Assim, por exemplo, quando se diz que não há tratamento (precoce ou não) comprovado contra Covid-19, significa que nenhum medicamento testado alcançou prova suficiente de sua efetividade. Não adianta alegar que o médico X prescreveu, que o avô usou e que o vizinho foi salvo por isso, da mesma forma que não adianta o promotor querer condenar alguém sem provas.


A ciência, toda ela, tem procedimentos rigorosos e são eles que a fundamentam. Sem isso, ainda estaríamos vivendo em cavernas.



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