Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

12 de julho de 2013

Os crimes da novela Amor à Vida


Paloma e Bruno disputam Paulinha em Amor à Vida


A novela da Globo, Amor à Vida, provocou algumas manifestações nas redes sociais com os eventos da trama principal envolvendo o triangulo principal de personagens.

Para quem não acompanha o folhetim televisivo, o enredo trata de Bruno que, após ter perdido a mulher quando esta dava a luz ao único filho natimorto do casal, encontra no lixo uma recém-nascida. Contando com a médica Glauce, ele cria a falsa história de que a menina é sua filha legítima e registra-a, batizando-a de Paula.

Doze anos depois, Paulinha é a alegria da família de Bruno, que, por sua vez, conhece Paloma. Ela e Bruno se apaixonam até que no decorrer de eventos, que envolvem um exame de DNA e muitas viravoltas, Paloma descobre que Paulinha é sua filha, subtraída no hospital. Revoltada com Bruno, Paloma leva Paulinha para seu apartamento e a mantém lá contra vontade da menina.

Chamou-me a atenção o destaque que se tem dado aos “crimes” de Bruno e da médica Glauce. Decidi falar sobre eles, pois pode-se aproveitar para um estudo penal. Haveria crime? Qual seria a conduta mais grave? Quem seria o real criminoso?

Vamos começar com Bruno. Ele achou uma criança no lixo. Tomou-a e a registrou como sua. Esta conduta é tipificada no CP (Código Penal) no art. 242, segunda parte, conhecido informalmente como “Adoção à brasileira”.

Observe-se que o parágrafo único permite ao juiz deixar de aplicar a pena se o motivo é de fundamento nobre. Creio que salvar uma criança do lixo, portanto, da morte certa, criá-la e educá-la, dando-lhe a possibilidade de vida digna, deve ser reconhecido como gesto da mais alta nobreza. Assim, Bruno poderia responder ao processo, mas talvez não viesse a ser condenado. Ademais, com a pena máxima de dois anos, prevista também no parágrafo único, a prescrição ocorreria em quatro anos, logo, poderia nem haver processo.

A médica Glauce possivelmente responderia por falsidade ideológica, uma vez que inseriu declaração falsa no prontuário médico, nos termos do art. 299 do CP, sujeita a pena de até três anos de reclusão. Todavia, como a finalidade foi colaborar no delito do art. 242, ela poderia ser considerada coautora deste ficando a falsidade absorvida. Em ambos os casos, a prescrição teria alcançado qualquer das duas condutas.

E Paloma, a mocinha da história? Deixando de lado a falta de maturidade da personagem, que é médica, quando descobriu ser mãe biológica de Paulinha e sob este pretexto, decidiu arbitrariamente levar e manter a menina em sua residência, sem deixá-la ver o pai, em clara privação de sua liberdade. É isso mesmo, a médica Paloma impediu, frustou, destituiu Paulinha de seu direito de ir e vir, motivada pelo egoístico motivo de acreditar ser sua mãe – com efeito, o único elemento de convicção é um exame de DNA.

A mocinha da história, sob o motivo de ser a real mãe da menina e acreditar ter sido ela subtraída doze anos antes, praticou o crime de sequesto ou cárcere privado!

Previsto no art. 148 e qualificado neste caso, pelo fato de ser contra menor de 18 anos, o sequestro é um dos mais graves crimes do CP e atinge um dos mais fundamentais direitos do ser humano que é a liberdade. O crime está em andamento e portanto Paloma poderia ser presa em flagrante, pois o pai da menina legalmente é Bruno.

Como se pode ver, o crime mais grave é o de Paloma, que pensa se justificar em sua pessoal arbitrariedade de entender-se no direito de reter ilegalmente a menina. Bruno e Glauce nem podem mais ser considerados “criminosos”.

Obviamente uma obra de ficção deve existir dentro da lógica própria de seu enredo. De uma novela não se pode esperar muito – embora algumas pessoas teimem em levá-la por demais a sério. Pelo menos, serviu para este breve estudo de direito penal.

Uma última palavra: não analisei a conduta do principal vilão, Félix (em inspirada, cativante e antológica interpretação de Mateus Solano). Por ser muito complexa, ela exigiria um texto à parte.


------
Publicado originalmente no Blog do Tribuna do Direito (para ler no site clique aqui)
------

2 comentários:

motonáutica disse...

Boa noite, meu nome é Marisa e sou estudante de direito, estou no 4° semestre, quando da discussão da novela em roda de amigos estudantes tínhamos chegado nessa conclusão, baseando-se na lei, levando sempre em conta o nosso código, fico feliz que nosso raciocínio está certo. Muito obrigada pela publicação.

motonáutica disse...

Boa noite, meu nome é Marisa Pummer, sou estudante de Direito, estou no 4° semestre, e por coincidência hoje mais cedo estávamos discutindo a respeito do caso da novela, levando sempre em conta somente o possível na lei, depois de contradições e discussões, chegamos a mesma conclusão postada, que envolve a criança, o pai quem criou e a mãe biológica, muito boa a postagem, muito obrigada!!!