Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

26 de fevereiro de 2007

Maioridade Penal: mudança resolve?

As questões sobre criminalidade infelizmente são apenas discutidas quando se tem notícia de casos graves na mídia. É o que acontece no presente momento e entre outros temas fala-se sobre a possibilidade de se reduzir a responsabilidade penal, chamada também de maioridade penal, para a idade de 16 anos, como meio de combate ao crime.

A primeira questão a ser levantada é se a constituição permitiria tal redução, se em seu texto vem expressa, no art. 228, a imputabilidade aos 18 anos. Alguns consideram tal cláusula como pétrea, ou seja, ela não poderia ser mudada.

A existência de garantias individuais imutáveis prende-se à necessidade de se proteger o indivíduo em face do Estado, o qual não poderia, diante de tais prerrogativas de cidadania, abusar de seu poder e constranger as pessoas, ferindo-as em sua dignidade ou humanidade. Consistiria a imputabilidade penal aos 18 anos direito fundamental? Parece que não, porque tanto as estruturas estatais quanto a pessoa do cidadão não seriam prejudicadas ao se considerar a responsabilidade penal em outra faixa inferior de idade. Corroborando tal argumento verifica-se em países de forte tradição democrática a possibilidade de se responsabilizar criminalmente jovens de 16 anos ou menos.

Por este aspecto não há impedimento na modificação, a qual, contudo, para ocorrer, deveria respeitar os procedimentos formais de alteração do texto constitucional, nele mesmo previstos.
A se caminhar assim, acertar-se-ia a redução. Outras considerações, todavia, se fazem necessárias para uma conclusão.

No atual sistema, segundo alguns, os menores não são submetidos a uma sanção penal e isto faz com que não temam a ameaça psicológica causada pela pena. Verifica-se que tal idéia não é verdadeira, porque os jovens entre 12 e 18 anos podem ser submetidos a medida privativa de liberdade conhecida como internação, prevista pelo ECA, quando praticam crimes, denominados, pela mesma lei, de ato infracional. Medida privativa de liberdade significa prisão, fato que a prática demonstra ocorrer, porque as unidades de internação acabaram por se transformar em mini-presídios.

Outra questão é: pode a redução da maioridade penal servir para combate efetivo à criminalidade? A resposta é negativa por dois motivos simples, sendo o primeiro deles o fato do criminoso, maior ou menor, quando da prática do crime, não se preocupar com sua punição, por achar que não será pego. Além disto, já se disse acima que o menor de 18 anos também é detido em regime de internação e isto não diminui o número de crimes. A esclarecer tal questão se apresentam os exemplos de países onde a responsabilidade é inferior e o crime continua sendo praticado em proporcional larga escala.

Por último, alguns dizem que a pena é castigo e tem caráter intimidatório, porque serve unicamente para punição do erro. Embora seja a idéia menos verdadeira, pois sua razão é totalmente infundada, é a que causa maior impacto na opinião pública. Segundo tal ponto de vista, a punição corrigiria o criminoso porque dolorosa e este não voltaria a delinqüir.

Para o ser humano, a punição não tem caráter isolado de castigo, porque sempre se tem a esperança de que a pessoa que errou não erre mais. Esta análise não pertence somente ao direito, podendo ser verificada em estudos sociológicos ou psicológicos. O ser humano, embora falível, acredita constantemente na possibilidade de sua superação. O ideal de castigo tem como significado de fundo a noção de redenção. Mesmo na chamada lei de talião, sintetizada na expressão do “olho por olho”, a pretensão é de que o agente, tendo “perdido o olho”, não pratique novamente nenhuma atividade criminosa, por força da situação aflitiva de seu sofrimento. Logo, o castigo não é um “pagar pelo prejuízo” isolado, mas retribuir e redimir pelo infortúnio.

O mecanismo psicossocial do humano é complexo, as motivações criminosas residem numa esfera profunda da personalidade e nem mesmo teorias sobre crime e criminosos conseguiram estudá-la adequadamente. Não se pode esquecer que o delito é uma construção social e o combate a condutas indesejáveis é um dos ainda grandes problemas inerentes.

A redução da maioridade serviria apenas para isolar os indivíduos mais cedo em presídios, tendo como única vantagem evitar o atual uso de eufemismos como “ato infracional” e “internação”, mas aumentando a população carcerária sem efetivo combate a práticas criminosas.

Criminalidade não se resolve com mudanças na faixa etária dos criminosos. Resolve-se inicialmente com a conscientização da realidade da questão e com mudanças de perspectiva na aplicação da sanção. Quando se fala em ressocialização, não se está a defender criminosos; defende-se a sociedade.

A pena privativa de liberdade é necessária, mas não para todos os criminosos. O isolamento social gerado pela prisão provoca outros problemas, além da exigência de espaço para construção de prisões e tem elevados custos. A sociedade se aproxima do momento em que não mais poderá bancá-los. Há que se pensar em alternativas mais elaboradas do que a simples mudança de lei, a qual, sozinha, não impede o jovem de 16 anos de matar uma pessoa.

12 de fevereiro de 2007

Ação contra a criminalidade!

Basta! A questão da criminalidade exige ações imediatas. Os brasileiros não suportam mais que o problema seja discutido apenas após a notícia de crime de repercussão, mediante propostas paliativas, sem efeitos práticos e de resultados ineficazes.
A crise da segurança pública ainda se faz presente, tem âmbito nacional – em que pese atingir alguns estados mais agudamente, como o de São Paulo e Rio de Janeiro – e não foi resolvida.
Levantar a questão e bradar a necessidade de soluções foi a bandeira de inúmeros candidatos nas últimas eleições, independentemente do cargo que buscavam. Quais seriam os caminhos possíveis para se dar início a algum trabalho?
Tem-se que ter a consciência de que o problema apresenta componentes diversos que se relacionam em rede e sua abordagem não pode ser pontual. Envolve trabalho policial de prevenção e investigação, relaciona-se diretamente com o sistema prisional superpopulacionado e ambos geram e sofrem influências da legislação. Respostas exigem tempo, mas providências imediatas podem ser tomadas, sob o ângulo de cinco sistemas:
1) Sistema Policial de Segurança: quanto ao trabalho policial, recursos materiais são importantes, mas fundamental é motivação e treinamento. De imediato, aproveitar o Centro de Operações das Polícias de forma que as informações sejam divididas para execução integrada das operações de rua. Utilizar a GCM, cuja atuação para fazer policiamento numa situação de crise não precisa de nenhuma alteração constitucional. Uso das Forças Armadas é bem-vindo, porque estas constituem um contigente de homens cujo treinamento, com o mínimo de ajustes, pode ser aproveitado para missões de guarda de presídios e transportes de presos. Os agentes penitenciários também têm de ser vistos como força policial, uma vez que exercem poder administrativo de polícia dentro dos presídios.
2) Sistema Carcerário: a iniciativa do Ministério da Justiça em lançar um mutirão, com objetivo de examinar e avaliar a situação processual dos presos, precisa ser continuada, pois a demora do trâmite processual é um dos principais fatores de tensão nos presídios. O discurso de legitimação, ou seja, uma linha de pensamento segundo o qual a facção criminosa realiza a defesa dos presos do sistema, precisa ser destruído pelo reforço da disciplina nos presídios, com uso de métodos de contra-informação. Reduzir a burocracia de transferência e aproveitar o uso dos celulares como fonte de levantamento de informações é outra medida. O serviço de inteligência não se constitui de imediato, mas precisa ser iniciado.
3) Sistema Legislativo: Um pacote legislativo deve ser submetido a reflexões consistentes para se evitar futuros problemas. Eis aqui o grande trabalho do novo Congresso. A legislação não é perfeita, mas está aí. Para ser alterada, deve ser feita a análise integrada dos projetos, para que o sistema não seja construído de modo retalhado ou remendado. A lei penal compõe-se da enumeração de crimes cujas descrições devem ser bem definidas e penas nas quais a prisão deve ser reservada a criminosos efetivamente perigosos.
Os integrantes do Congresso parem com CPIs inócuas e passem a trabalhar na discussão de projetos legislativos. Para as CPIs, seja nomeada uma comissão de congressistas que acompanhe de perto as investigações do Min. Público, órgão institucional encarregado de investigações.
4) Sistema Judicial Penal: exige-se imediata mudança de modelo hermenêutico, ou seja, a lei penal deve ser interpretada e aplicada de modo diverso do que vem ocorrendo. Atualmente a aplicação segue um padrão mecânico como peças de encaixe de uma máquina, num movimento que vai da leitura da lei para a Constituição, esperando-se sempre nova norma que permita a modernização, o que nunca ocorre. A lei precisa ser vista de modo a estar mais ligada ao caso concreto, partindo-se dos princípios constitucionais para os princípios setoriais da legislação. Se o direito pátrio aceita as chamadas penas alternativas expressamente, elas devem ser aplicadas com amplitude adequada ao texto constitucional, utilizando-se a lei como limitador da arbitrariedade e não como desculpa para impossibilidade de aplicação. Reformas legislativas são lentas e não se pode esperar.
5) Sistema Social: finalmente o sistema que integra todos os outros exige alterações demoradas pois precisam ser mais bem ponderadas. Num primeiro momento a mudança do conceito de sanção penal que deve voltar-se para um modelo mais ressocializante e menos punitivo. Vale dizer que educação e ressocialização são espécies de formação. Ao Estado e à sociedade importa a boa formação dos indivíduos. Na educação, estes desejam boa formação, na ressocialização a formação se torna obrigatória por questão de sobrevivência da sociedade. Investimentos na formação apresentam-se imprescindíveis, mas não são de curto prazo.
Se medidas específicas, integradas e sérias não forem buscadas, não se resolverá de modo nenhum o problema e talvez, daqui a meses, esteja-se enfrentando não crises mas catástrofes.

7 de fevereiro de 2007

São Paulo e a história jurídica do país

No mês da janeiro, dia 25, comemora-se o aniversário da cidade de São Paulo e esta data deve ser lembrada no coração dos paulistas.

São Paulo é rica em fatos históricos e políticos importantes para o desenvolvimento do país, embora mais marcantes cultural e economicamente aqueles ocorridos após a segunda metade do séc. XVIII, como a fundação de três sociedades literárias, a do próprio jornal o Correio Paulistano e a inauguração da São Paulo Railway, estrada de ferro que ligava Jundiaí a Santos.

No âmbito jurídico também deixou sua marca: já em pleno séc. XX, na corajosa Revolução de 32, transbordando consciência em seu ideal, o povo paulista lutou para que se evitasse a centralização totalitária do poder. A luta consolidou, mesmo sendo derrotada, o anseio de elaboração de uma nova constituição.

Assim, pouco mais de dois anos, em 16 de julho, foi promulgada a Constituição de 1934, considerada inovadora nos campos político, econômico e jurídico.

Foi ela que formalmente esclareceu com maior rigor as divisões de competência entre a União e os Estados nos aspectos administrativo e tributário, incluindo os Municípios neste último. Definiu direitos políticos e o sistema eleitoral, criando a justiça eleitoral como órgão do Judiciário e instituindo o voto feminino, até então ignorado. Ao lado da declaração de direitos fundamentais, inscreveu inovadoramente um título sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura. Determinou ser o Legislativo exercido pelos Deputados (valorizando a representação do povo) com a colaboração do Senado, diferentemente do modelo atual em que ambos atuam em conjunto.

Por tudo isto e mais, São Paulo merece os parabéns em seu 453º aniversário!